ASSANHADA E TÍMIDA
23 de Agosto de 2004
Pode uma mulher ser, ao mesmo tempo,
assanhada e tímida? Pergunte ao seu leito. Não, ele não diria, permanecerá fiel
aos segredos do amor que não se explica em palavras, vulgarmente denominado de
sexo.
Assanhado é uma transição do menino travesso para a filha
do síndico que permite liberdades eróticas com os mais chegados das redondezas.
Safada para uns, vai longe para outros, num contexto em que timidez é
considerada como não dar a cara a tapa para que descubram qual é a sua. Hoje se
obriga a dizer a que veio, quais são os seus predicados, o que pretende
alcançar, mesmo que tudo seja uma mentira. Se estacionar na timidez, morre
pagão, se embarcar no assanhamento, reconhecem a esperteza. Que se fundam os
dois gêneros de personalidade como o homem e a mulher na alcova, evitando que o
resguardo e a precipitação entrem em choque.
Ela não quer que se meta a mão por dentro da saia com fenda
pronunciada, senão vibra um tapa de deixar vermelho qualquer homem metido a
forte. Mas quer ser olhada, captada pelo canto dos olhos, que virem a cabeça,
quebrem a espinha, a desejem em seus sonhos. Mas não desrespeitem seu recato. Se
tiver que se mostrar entre as quatro paredes, será para o seu eleito, desde que
ele corresponda extasiado, afinal, o presente caído do céu mistura um prazer
sensorial raro e uma elegância de se sentir orgulho. Ainda mais quando começa a
se desmanchar no maior strip-tease de que se tem notícia. Porque não desnuda
apenas o corpo, revela uma personalidade que até então se desconhecia. E isso
exige exclusividade, em bom português, exclui outras que não possuem o mesmo
cacife. Ai do eleito se não respeitar as regras do jogo.
A outra vertente insiste nas saias longas e faz pouco caso das
que abusam do cruzar de pernas que tornou Sharon Stone célebre em "Instinto
Selvagem". Prefere blusas abotoadas até o pescoço para não dar a dimensão do seu
verdadeiro seio - disfarça o bico até onde não mais puder. Encara com certo
exotismo o véu das muçulmanas. Opta pelo salto baixo e jóias que não chamam a
atenção, como uma correntinha de ouro branco. Tudo para não concorrer com seus
maneirismos, falando pelos cotovelos - quiquiqui, cacacá - e olhando ao seu
redor para observar o efeito da encenação. Libera tanta emoção e espontaneidade
que consegue reverter no homem o dogma de que é inevitável a existência de
amantes oxigenando seu sangue. Um ar nervoso que atrai, o suor que não mancha,
os lábios molhados que não secam o desejo dele. De forma alguma gosta de ser
confundida com zinhas, pois a recompensa virá a tempo e a hora para quem
santificar o seu pudor.
Falou em assanhada é pensar em Marylin Monroe, o ícone. "O
Pecado Mora ao Lado", "Nunca Fui Santa", "Como Agarrar um Milionário" e "Os
Homens Preferem as Louras" construíram o mito que morreu nas mãos dos
barras-pesadas John e Robert Kennedy. Passaram na cara o seu desconforto de ser
objeto de desejo - unanimidade mundial - em detrimento de sua essência como
mulher. Não quis se valer da hipocrisia para incorporar uma timidez alternativa
que a teria poupado de abutres.