ACUSOU O GOLPE
24 de Maio de 2004
Deu no New York Times que o presidente
Lula bebe além da conta. Não usou como força de expressão que bebe
que nem gambá, muito menos o comparou a Jânio Quadros, que se
afogava no vinho do Porto. Nem avançou o sinal, como o Sunday Times
ao insinuar que Collor consumia cocaína ao antecipar seu epitáfio
“duela a quién doler”. Nem pintou um céu negro na sua honorabilidade
como apontado no FHC, o de beneficiário de contas ilegais nas Ilhas
Cayman. Nem tiraram do fundo do baú o próprio Lula como deputado
federal ao quantificar o Congresso com 300 picaretas e desqualificar
Adhemar de Barros e Maluf como trombadinhas na acareação com o
verdadeiro ladrão, o presidente de então, de hoje e de sempre, com a
sua famosa ouverture, “brasileiras e brasileiros.
Lula não pensou duas vezes, se precipitou e não esperou que a
sociedade, por seus diversos canais, se manifestasse e reagisse à
altura do porte de um presidente da República, em sua defesa. Para
usar de metáfora, deu o cartão vermelho ao jornalista americano
Larry Rohter, que, com esposa e filhos brasileiros, merecia
permanecer no país, devido à sua manifestação inequívoca de amor. E
criou um caso com o Quarto Poder, pior, por fustigar a imprensa
americana, ícone da liberdade de expressão. O álcool pôs lenha na
fogueira, versada hoje em queimar ditadores e monarcas que se
fartaram em amordaçar opiniões e o livre pensamento. E a aprender a
lidar com calúnias, o nó da questão.
Está aberta a temporada de caça. A pretexto da
liberdade de imprensa. Se, sub-repticiamente, com cuidado para não
ofender, já se explorava as deficiências de berço, sua preferência
pelo cinema em prejuízo do livro, por que não escolhê-lo logo para
pele? Está em jogo a pureza d’alma versus a sofisticação maliciosa,
a demonstração da inteligência a serviço do sadismo em combate com o
copo. Cada vez que levantar, mesmo sendo água mineral, será clicado
impiedosamente. Até o final do mandato.
Dois pesos, duas medidas. Ao aceitar que as tropas do FMI
passem em revista a nossa economia, uma mera continuidade dos
compromissos assumidos por FHC. Ao se envergonhar com o salário
mínimo anunciado, um mero troco jogado na cara do trabalhador. Ao
pagar fielmente os juros e facilitar a especulação financeira
internacional, esvaziando o discurso do Fome Zero. A privatização
como panacéia do soerguimento do país já caiu no vazio, mas o
compromisso público de inserir o excluído e desempregado no mercado
de trabalho e consumidor não é passível de amnésia. Faz Lula
tropeçar nas suas próprias pernas, aquém de seus sonhos.
Acusou o golpe. Ao se sentir moralmente atingido. Confiou
demais na sua capacidade de improvisação em ato reflexo à aversão
que nutre pela liturgia do cargo, onde o cinismo é a marca indelével
com a qual se aprende a engolir sapos. FHC, por exemplo, convidaria
Mr. Rother para tomar uma cachacinha na Granja do Torto, a
propósito, e a utilizaria para flambar a lingüiça, puxando um cordão
de gargalhadas que cada vez aumenta mais. Já Sarney preferiria a
pizza. Collor, o uísque Logan. Com os militares, não se brinca.
Jânio poria a culpa nas forças ocultas. Juscelino degustaria a fina
flor dos alambiques em meio a uma serenata com “Peixe Vivo” e poria
o agente imperialista na roda. Dutra abriria o tapete vermelho a
seus pés e acertaria os ponteiros com um bingo. Quanto a Getúlio
Vargas, promoveria um grande churrasco para debater qual é a melhor,
se a carne malpassada ou a bem passada.