PEQUENOS ASSALTOS
25 de Outubro de 2004
O trabalhador amarga o sétimo ano
consecutivo de queda na renda. O maior recuo, quando o país pagou um
preço caro pelas turbulências eleitorais decorrentes da acomodação
da elite a um presidente operário. Sem desconfiar, nem de longe, que
o discurso de Lulinha Paz e Amor era verdadeiro. Não foi uma reles
manobra para derrubar o sapo que não virou príncipe. Para gáudio da
turma da Bolsa de Valores, que espalha o boato de ser o mercado
acionário um real instrumento para aferir recessão ou crescimento. A
especulação, apenas uma mera contingência.
Com aquela cara de médico que sente prazer em dar injeção,
Palocci nos brindou com um cavalo-de-pau na economia, que inflou a
massa de desocupados e prosseguiu a expansão do êxodo rural. Por
mais que finalmente o brasileiro tenha se convencido de que lugar de
criança é na escola e não para somar ao orçamento doméstico. Mas aí
está o busílis da questão: no que aumentou o nível de conhecimento,
ainda não existe uma correspondência direta que traduza o plus
no aprendizado em moeda sonante. Gerando um clima de insatisfação,
inconformismo e revolta, pois aproxima os jovens, ainda cheirando a
leite, do abismo social. Já pensou se todos reagissem? Desencadeando
arrastões que agridem e assaltam banhistas embevecidos com a garota
de Ipanema, além de tiroteios e interrupção de vias expressas.
Obrigando-nos a deitar no chão para evitar bala perdida, resolver
entre crescer o muro ou pôr cerca elétrica, apurar a forma física
para correr dos assaltantes, dirigir usando todos os espelhos para
descobrir quem o persegue, se desfazer de carros que dêem na pinta,
terceirizar os saques nos bancos, acompanhar os passos de seus pais
idosos - um chamariz - e se fazer de pobre, vestindo-se de modo a
não chamar a atenção.
Os ricos reclamam do problema não lhes dizer
respeito, dessa anarquia com grife de partido político que elegeu um
presidente operário. Pensam em mudar de país, seguindo o mesmo
destino de seu capital investido nos Estados Unidos e nos paraísos
fiscais de Ilhas Cayman, Virgens e Bahamas. Cerca de US$ 82 bilhões,
15% do que a economia gera anualmente, ampliando seus horizontes a
uma velocidade sete vezes maior do que o crescimento do país. Essa é
a medida dos apátridas que apostam na internacionalização da
economia brasileira, protegendo seus interesses da instabilidade,
embora o paraíso para especular seja aqui. Preservam-se lá os
lucros, o caixa 2, o dinheiro não-declarado e sonegado, o desvio do
caixa do governo, os dízimos, as comissões de obras, estradas e
hospitais, pois não é crime manter capital no exterior.
Essa gente que nos dirige e faz lobby extrapola na defesa de
seus ideais políticos. Não tem a menor autocrítica sobre o seu
caráter. Descontraídos, admitem o privilégio de uma linha direta com
Deus. Pintam o cabelo, reduzem o estômago, lipoaspiram o cérebro e
casam-se com ninfetas que querem fazer carreira como madames.
Num rasgo de sinceridade, confessam que ainda precisam melhorar
muito: “a vida é uma aprendizagem, né?”. Mudar totalmente é que não
dá pé. Quanto mais se aumentam as responsabilidades, todo e qualquer
ato ganha repercussão em função do cargo que ocupa. E é muito
difícil não falar o que se pensa, quando, à sua retaguarda, uma vida
inteira acostumado a se expor, discutir e lutar pelas idéias é o que
predomina. Mas bastou adentrar nos salões do poder, ofuscados pelo
brilho das celebridades clicadas pelas máquinas fotográficas, para
pensarem duas vezes antes de falar e não queimar a língua. Dourando
a pílula, afinando o discurso, aparando as arestas e passando a
pensar não mais com sua cabeça. O coletivo impõe que modere sua
visão pessoal de acordo com o que se pode fazer no momento.
Sementes de pequenos assaltos são atribuídas a armação,
espetáculo da mídia, do tempo em que Brizola e Roberto Marinho se
digladiavam. Acabou-se o que era doce, quem comeu regalou-se. A
sociedade organizada está perdendo o controle da disputa ao ser
colocada como alvo. Os políticos se revelam débeis quando deixam de
falar a verdade ao tentar explicar o impossível. Entre o que se
promete em campanha e o que se realiza, a diferença é abissal. Nos
deixando num mato sem cachorro, em que se recomenda entregar tudo a
quem se debate para provar que não nasceu em vão.
Nos deixando com uma pulga atrás da orelha: se o homem nasceu
possuído pelo Mal.