TÔ NEM AÍ
26 de Janeiro de 2004
“Nem tudo que cai na rede é peixe”. Não se
sabe se os dizeres na camisa depreciam ele, um puta mulato que já
foi forte e virou balofo, acusando sua decadência, outrora garanhão.
Ou a ela, uma loura do tipo germânico, que engordou e ainda não
apagou os últimos sinais de beleza e altivez que guarda em seus
genes. Ex-sereia, rainha do mar, princesinha de Copacabana. Tô nem
aí, se há felicidade no casal.
Em toda família existe um parente que não se acerta em nenhum
emprego e que está sempre sobrando mês para completar sua grana, o
popular morto de fome. Aquele de quem todos têm pena e arrumam um
servicinho para descolar um dinheirinho e fingir que o ajudam. Como
cuidar de uma avó que enfartou ou de um sobrinho que quebrou a
perna. Tô nem aí, tem dignidade e cobra honorários, se orgulha em
fazer o que sempre quis, por isso vive com prazer.
Tô nem aí para remediados que se afogam em
dívidas e se arvoram na defesa de milionários, ambicionando um lugar
à sombra deles, tamanha a covardia de assumirem o que são. Ninguém
gosta de gente rica, um de seus dogmas. Se penduram em padrinhos
abonados para não morrerem pagãos.
Tô nem aí para a noivinha que viu o noivo escorregar por entre
seus dedos em meio a um assédio que entupia o celular dele de
mensagens libidinosas, na mais pura galinhagem de que se tem
notícia. Até que entrou no circuito o sogrão para moralizar aquela
pouca-vergonha. Despediu-se de sua respeitável senhora, desejou um
futuro alvissareiro à sua filha preferida e isolou o jovem mancebo
das más companhias, ao construir um ninho de amor para os dois, à
prova de invejosos que secam paixões arrebatadoras.
Tô nem aí pro moleque que convidou o primo para se exibir
nadando e pegando ondas, tanto atiçando o pobre inocente que obrigou
a progenitora a tirá-lo d’água quase afogado, enquanto o larápio
aliviava a bolsa da família feliz. Tô nem aí pro exibido que levou
toda sua poupança pra praia, engordada de antecipações natalinas
descabidas, só porque já quis começar a sentir o gostinho de ser
rico e acabou nu sem dinheiro no bolso.
Tô nem aí para guerra sem fronteiras entre mulheres quando o
objetivo é encontrar vida em Marte.
Tô nem aí pra quem quer amar, tremendo que nem vara verde ao
pôr em risco o que possui, com medo de arriar os quatro pneus e
babar de desejo por alguém, mal disfarçando a convicção de que teias
de aranha proliferarão se perder a volúpia. Sujeito à inércia de
quem se condena ao isolamento. Tô nem aí pros narcisos paralisados
diante de sua imagem.
Tô nem aí pra quem acha um grosso o sujeito sem meias palavras,
um destemperado quando confessa seu desejo apaixonado com um beijo
sem eira nem beira, levando em consideração que a sinceridade de
propósitos exige elegância e sutileza de chá das cinco, quando o
próprio Deus afirma, em alto e bom som, que o buraco aqui em cima é
mais embaixo. E a gente não leva fé e toma de pisar em falso.
Tô nem aí para quem faz lambança em nome do amor e depois chora
que nem manteiga derretida os maus passos, o atroz arrependimento de
quem escolheu a amargura e se encaminha para se tornar um perdido no
espaço. Ao invés de apenas virar a esquina e tomar outro rumo.
Insistindo no fatalismo a que aparentemente estamos condenados,
posto que somos dotados para reverter e fazer chover raios e
trovoadas.
Tô nem aí para a incredulidade.