CARETICE NO CARNAVAL
26 de Janeiro de 2004
A escola de samba São Clemente sofreu a
cassação branca da Câmara dos Deputados, que vetou o carro alegórico
que representava o Tio Sam sentado na cúpula do Congresso como se
fosse numa latrina, refletindo o grau de apreço por essa ilustre
Casa, na fantasia de seu presidente. Já é reflexo do samba paulista
se meter na irreverência carioca para tirar o bom humor do carnaval
do Rio de Janeiro. Partem do princípio que carnaval é coisa séria,
cuja imagem será veiculada no mundo inteiro, não cabendo cutucar a
onça com vara curta, pois fatal a Amazônia de hoje ser o Iraque de
amanhã. Sem se mancarem que o presidente toma um porre de felicidade
no exercício do cargo, ao mal equilibrar sua pança em cima de um
skate, num deslumbre que lembra o Collor pilotando jato.
Sem medo de ser feliz, o PT encareta quando sobe o morro para
barrar do baile uma metáfora que ofenderia a dignidade das
instituições, inspirado na Igreja Católica que já havia proibido
Cristo como patrono de mendigos em enredo antológico da Beija-Flor.
Se arvorando no direito stalinista de dizer o que é bom para o atual
estágio da democracia brasileira, adentrando no perigoso terreno de
qual simbolismo convir à folia momesca.
O que provocou reação em cadeia: Pelotas também
quer censurar outra ala da escola de Botafogo, com o atraente título
“Não dou Pelota para veados”. Quando viado todos nós somos. No
carnaval. Ao nos fantasiarmos de mulher, maquiarmos o rosto e
libertarmos a língua da sua habitual repressão, botando a boca no
mundo. Para cantar e rir de tudo aquilo porque tanto choramos.
Se é para falar sério, como é que irá brincar no carnaval o
empresário que registrou como sua filha, há 17 anos, o fruto de um
caso extra-conjugal? Agora que descobriu, graças ao DNA, não ser o
pai da adolescente? Dizer que não é mais sua filha não pode, a
grandeza do gesto no berço não permite. Dizer que a vadia da mãe se
enganou, um tanto tardio. Se tantos pediram bênção para conseguir a
graça de Iemanjá. Relaxa e goza sua filha, demasiado grosseiro. A
solução é enfiar uma máscara e se mostrar politicamente correto para
enganar os trouxas que têm o brio como referência. Acusar o golpe
não é de bom-tom, demonstra falta de equilíbrio, sintoma de
agressividade, reprovariam sua conduta.
Me engana que eu gosto. Desde que com arte, a lavagem é
cerebral, embaralha-se os pontos cardeais e os cinco sentidos, e
voilà! Feliz como o diabo gosta, depois de aprender a enganar,
tantos foram os anos padecidos na inocência agora retratada nos
netos.