A DEMÊNCIA DE PINOCHET
27 de Setembro de 2004
A Operação Condor foi uma ação conjunta
das ditaduras do Chile, Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e
Uruguai para eliminar desde comunistas até quem conspirasse contra o
regime através da liberdade de expressão. Qualquer afronta era
considerada uma agressão às Forças Armadas diante do perigo
vermelho.
E foi assim que Pinochet se criou, como salvador da pátria, à
frente de uma das caçadas mais longas e sangrentas do Chile que
vitimou uma ONU de estrangeiros idealistas, no desejo de mudar a
correlação das forças econômicas, de dar um basta em quem leva
vantagem sempre.
A farsa acabou. Aos 88 anos, o ditador come o
pão que o diabo amassou. Acusado de assassinato pela justiça
espanhola num imbróglio que resultou em dezoito meses de prisão
domiciliar na Inglaterra, agora é incriminado pelo Senado americano
por enriquecimento ilícito - 8 milhões de dólares em contas secretas
no exterior.
Paira no ar um sentimento generalizado de que corrupção não se
perdoa. Desde que pego com a mão na botija. Foi o caso de Al Capone
ao sonegar o imposto de renda. As metralhadas em seus rivais, o
contrabando, a corrupção da polícia, tudo passou em branco. Pinochet
encaminha-se para a mesma armadilha, inclusive para salvaguardar o
envolvimento de americanos ilustres com o compromisso de liquidar
opositores de regimes cucarachos. Como Henry Kissinger, Prêmio Nobel
da Paz.
Sempre que a Justiça o encosta na parede, Pinochet recorre aos
hospitais para revalidar um diagnóstico que apresenta uma
progressiva deterioração física e funcional atribuída à sua idade e
a uma série de patologias que o incapacitariam a enfrentar um
julgamento.
O intocável. Sua filha prega a compaixão pelos anciãos, entende
que as famílias dos desaparecidos se sintam magoadas, mas existe o
perdão. Seus advogados de defesa agarram-se à idade, a demência
senil como lugar-comum. Ambos apelam para cair no esquecimento. Na
desmemória.
Um sintoma da demência. A mesma demência pinochetista que
comprometeu o pensamento, o julgamento e a incapacidade de aceitar
uma nova realidade socioeconômica que se agiganta no curso
irreversível da História, no qual não cabem mais insensatos que
proclamem novas guerras. Um deprimente final de espetáculo para
Pinochet, uma imagem defunta que permanecerá insepulta na história
do Chile até que os impasses que puseram os cidadãos uns contra os
outros sejam removidos.