VOCÊ PAGOU COM TRAIÇÃO
28 de Junho de 2004
“Você pagou com traição a quem sempre lhe
deu a mão.” Foi com a música de Jorge Aragão que a Brizolândia
enxotou Lula e sua comitiva do velório de Brizola. Ostentando
adesivos com a inscrição “Brizola vive”, se amontoaram no salão e
entoaram palavras de ordem que alternavam “Darcy, Brizola, criança
na escola” com “Se Cuba tem Fidel, o Brasil tem Leonel”, munidos de
pôsteres e bandeiras do PDT, cantando o Hino Nacional e o da
Independência, pedindo a renúncia do presidente diante de tamanho
desrespeito.
Uma grosseria que só se desculpa pelo sofrimento da perda, a
militância do PDT é aguerrida, adora o Brizola, contemporiza Ciro
Gomes. Ai, como seria bom herdar a massa trabalhista, se não fosse o
fim da era de políticos carismáticos que tinham nas suas pegadas
seguidores, e não apenas simpatizantes. Lastimam-se políticos
eleitos, que agora realçam discordar de uma ou outra posição de
Brizola, divergiam sem nunca deixar de respeitá-lo pela firmeza com
que defendia seus pontos de vista e, no final das contas, as
diferenças eram muito poucas quando somavam esforços nos interesses
nacionais - morto não tem defeito.
Ao ser acusado de personalista e centralizador,
depreciava-se Brizola por não deixar herdeiros, ao valer-se do
canibalismo e nutrir-se da carne de aliados para fortalecer-se e
enfiar sua lança nos inimigos do país. Falam de herança política,
sem o menor pudor, como se o povo fosse gado. Perguntem ao FHC se
Serra é o seu herdeiro legítimo. ACM apenas os deglute. Sarney, a
filha. Jânio nos deixou órfãos. Pitta pertence a Maluf. Collor,
filhote da ditadura. Herança de quem, cara pálida?
E para que herdeiros, se eles vêm do limbo e traem a quem lhes
deu a mão? Agarrados à falácia de que divergir faz parte da
democracia e é legítimo seguir o seu próprio caminho. Todas as crias
de Brizola dominam o panorama político do Rio de Janeiro dos últimos
doze anos. Cesar Maia foi prefeito duas vezes, além de ter criado o
factóide Conde. Marcello Alencar governou o Estado com seus dois
filhos, Garotinho o sucedeu e nos legou a Rosinha. Até o gato angorá
foi pedir benção.
E para não dizer que não se falou do leite das crianças, e
quanto aos herdeiros legítimos? Neuzinha se tornou uma “mintchura” e
José Vicente, rompido com o pai há quatro anos, lamenta não ter tido
tempo para uma reconciliação. Arrepende-se de ter trocado o PDT pelo
PT por pensar que representaria forças progressistas. Magoa-se com o
autoritarismo do pai em querer processá-lo, considerando-o como a
fonte de uma reportagem que levantou suspeitas sobre o patrimônio do
ex-governador. Reclama do pouco tempo dedicado à família. Agora
terão que ir em périplo a São Borja, com filhos e netos, se
consultarem com a pedra filosofal do mausoléu de Brizola, sempre que
precisarem.
A paixão pela política. A ser paga com traição. Tudo cairá no
esquecimento, inclusive se a história do Brasil teria sido outra com
o trabalhismo chegando ao poder. Em 1989, por 0,4%.