ADEUS À BRIZOLÂNDIA
23 de Junho de 2004
Morre Leonel de Moura Brizola, levando com
ele o trabalhismo, doutrina que deu identidade ao povo brasileiro e
marcou a Era Vargas. Suicidaram com Getúlio, apagaram Jango e não
conseguiram assassinar Brizola no exílio.
Se tornou o inimigo número um do regime militar em 1961, ao
deflagrar a “Cadeia da Legalidade” no comando de 104 emissoras do
sul do país para garantir a posse de Jango com a renúncia de Jânio
Quadros, em meio aos boatos de bombardeio do Palácio Piratini
cercado por barricadas. Acusado de subversivo por fomentar a reforma
agrária ao desapropriar as terras de sua mulher. Tachado de
incendiário por suas ligações com Fidel Castro. Injuriado como
anticristo por ofender a tradição, família e propriedade. O líder
mais destacado da esquerda radical no confronto aberto com os
americanos na luta antiimperialista, servindo de mote para o golpe
que derrubou Jango em 31 de março de 1964. Obrigando-o a fugir num
teco-teco para o Uruguai, evitando o radar num vôo rasante por sobre
o litoral - de um romantismo só.
Ao voltar de um exílio de 15 anos, conquistou
sua maior vitória ao se eleger governador do Rio de Janeiro,
derrotando a herdeira do lacerdismo - Sandra Cavalcanti -, o delfim
do chaguismo - Miro Teixeira - e o candidato apoiado pela ditadura -
Moreira Franco. Na primeira tentativa de fraude eletrônica na
contagem de votos ocorrida no Brasil, através da Proconsult, empresa
particular que tinha em seus quadros agentes do SNI que viam Brizola
como uma ameaça à redemocratização. De quebra, desafiou o poder de
Roberto Marinho, visto que as Organizações Globo selaram a vitória
de Moreira Franco.
Deputado estadual, federal, prefeito de Porto Alegre e
governador do Rio Grande do Sul, sofreu sua maior derrota ao não
conseguir realizar o sonho pelo qual lutou durante toda a vida: ser
presidente da República. Mas ingressou no panteão dos homens de bem
do país, ao ter colocado a educação no centro do debate político com
seu programa de Ciep’s, nas palavras do deputado e professor de
história Chico Alencar.
Perde-se uma referência importante na nossa política, um
personagem da nossa História durante mais de meio século, assevera o
“sapo barbudo”, sem mágoas. Um idealista marcado pela ética e
coerência, priorizando as crianças com seus 500 brizolões, embora
tentassem diminuí-lo com as brizolinhas, numa referência ao
crescimento do tráfico de drogas nas favelas.
Leonel Brizola, a quem ninguém conseguia ficar indiferente,
seja para amar ou odiar. Paixão que chegava às raias do fanatismo na
Brizolândia, em frente ao Amarelinho da Cinelândia. Quanto à pecha
de caudilho, já vinha de longe, desde que Getúlio amarrou os cavalos
no Obelisco em 1930. Ao jeito gaúcho de ser, de ter sempre uma
palavra direta que corresponda a um soco no fígado, ao não esconder
o que pensa. Nada condizente com a fisiologia da política, que
interpreta os pensadores doutrinários como críticos contumazes,
ranzinzas, chatos, quando se revelam interessados na solução
concreta dos problemas do país. Como nos tijolões de Brizola, em que
não deixava pedra sobre pedra, cujo revide era lançar sobre suas
costas o rebotalho político que virava folclore. Pagando um preço
alto por nunca ficar em cima do muro e não abdicar do ideal
trabalhista que tão obstinadamente defendeu durante a sua longa
trajetória, nem mesmo quando derrotado por Enéas e pastores, em
geral.
O melhor a se fazer, entre afetos e desafetos, é comemorar o
seu passamento no Sambódromo, in memoriam de Darcy Ribeiro, o
maior intelectual do século XX e autor da idéia do templo para a
mais importante manifestação popular do país. Ao som de “Vou
Festejar” na voz de Beth Carvalho. Selando um abraço em Roberto
Marinho, seu inimigo figadal, agora que Deus pôs termo em suas
diferenças.