A CULTURA DO ZERO
29 de Março de 2004
Um conto de fadas ao reverso, escrito da
direita para a esquerda, como manda o hebraico. Um triângulo amoroso
composto de um homem que descobriu ouro através da
aerofotogrametria. Uma modelo deslumbrante, madrinha de bateria, que
sofre o ocaso no carnaval e no matrimônio perante a lei de Deus. E o
bombeiro, louco para ver o circo pegar fogo. Através dessa maquineta
infernal - o celular - que deixa mensagens de amor gravadas ao léu,
assim como aciona ataques terroristas que dizima centenas de
empregados e desempregados.
Por trás do espelho que projeta a imagem de Osama bin Laden a
aterrorizar o século XXI, um mar de infelicidades. Tiraram uma onda
com a mídia e tripudiaram sobre o amor, ofendendo a Eros, o deus que
personifica os sentimentos ligados ao desejo e à paixão física. Não
se brinca impunemente com a mitologia, uma epopéia passada a limpo,
obrigatória em qualquer currículo escolar minimamente preocupado com
a felicidade.
Tudo começou no rico, quando o príncipe
dinamarquês abandonou sua eleita - de família bem-nascida - no
altar. Optando pelo popular, o paradigma de todas as modelos que
pretendiam se celebrizar e consolidar seu futuro. Desbancando as
mulatas da sardinha em lata e do ziriguidum.
Ampliando o foco da exploração e saneando em nome do amor. O
casamento soterra os vestígios malévolos e cala para todo o sempre
quem ousa pôr pedras no percurso de almas cujo sonho é suplantar
barreiras.
Mas eis que aparece o diabo em forma de gente de dentro das
labaredas, disfarçado de soldado do fogo para combater a tendência a
que o ser humano está condenado: a de se destruir. Todavia, a César
o que é de César, o diabo só precisa de um bom pretexto para
sapatear por sobre as nossas carcaças. Encerrado o período de
carência no qual todo casamento se consome, faz-se necessário erguer
outra casa. Dos escombros. Que desprendem um cheiro de queimado e
interrompem o come-dorme do bombeiro; onde há fumaça, há fogo.
É pau, é pedra, é o fim do caminho para o rico. Não há dinheiro
que compre felicidade, já dizia Frank Capra. O ciúme avaliza a
intensidade do amor, se não doentio. Não esquecerá jamais do que
colocou em risco para pôr à prova seu amor. A argola de escrava, o
seu símbolo.
Quanto à plebéia, rica ficou, o legado de extremada mãe lhe
restou, assim como a desconfiança de qualquer varão que se
aproximar. Já tocou o sinal de alarme. Apesar dos pesares, a tribo
dos homens é unida e corporativista, em silenciosa pajelança
elegerão qual a vingança dos deuses a ser saboreada fria.
Quanto ao peão do fogo, seguirá as mesmas pegadas de mulheres
que alcançaram a fama, opção até então exercida timidamente pelos
heteros, para não serem confundidos com gays. A qualquer custo, se
manterá na corda bamba com todos rezando para que se esborrache no
chão, afinal de contas, a ótica do espetáculo é a de sessões
contínuas sem intervalo. A superar limites ao melhor estilo de
maratonas na síndrome dos quinze minutos de fama.
Um traço da nossa cultura significante da era do terrorismo que
acabamos de hospedar em nossos domínios. Zerando a traição ou o
traíra. Fazendo renascer a eterna discussão se zero inexiste ou
compõe uma ordem de grandeza.