PAUSA
29 de Novembro de 2004
Manda a tradição judaica que toda
sexta-feira à noite se inicie o Shabat, uma pausa ao final do ciclo
semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da
criação. Correspondente ao domingo dos cristãos. A pausa existe para
resguardar a saúde de tudo que pulsa por criar, construir e
estruturar. Pois se existe a noite para dar um tempo na vida, se até
a morte é uma pausa para reencarnar em outra vida, o que custa você
parar um pouco para repousar?
Impossível, o mundo virou um parque temático de shoppings, 24
horas não é mais uma carga horária suficiente para fazer tudo o que
precisamos. Necessitamos de tempo para competir com o próximo, para
estudar e preparar a estratégia, para apurar a forma física ao nível
de um gladiador. Perde-se tempo na locomoção, falta tempo para
abordar e conquistar quem você deseja, música, filmes e livros em
penca te desorientam para consumi-los, solicita-se silêncio para
saber onde e como aplicar seu dinheiro, proteger-se de investidas de
políticos contra o seu bolso de rombos no orçamento que eles mesmos
produziram, e reservar o seu tempo mais precioso para dar vazão à
sua inventividade no kama sutra. Sem contar o lazer, que precisa
alienar legal para nos livrar dessas aporrinhações.
Parar como? Se o verdadeiro desafio é o amor. As
pessoas transformam a vida numa grande rotina e esquecem que o sexo
não pode se desvincular do amor, xifópagos que são. Senão redunda em
depressão, resultando em seres amorfos e assexuados.
Recorre-se ao culto e ao sermão para secar na fonte a
depressão. O mundo está deprimido, não consegue parar, o futuro se
confunde com o presente, a insônia é globalizada, o tempo se
administra com agenda. Rabinos, aiatolás e bispos nos orientam a
dedicar no dia de descanso uma maior atenção para si, aos seus e à
sua família de amigos para matar o tempo e resgatar tradições
milenares.
Não adianta, pois é na pausa que iremos passar a limpo o futuro
do casamento, enquanto ainda se goza de seu tempo útil. Exercitando
a sabedoria para investigar quando começou a terminar e se há clima
para pintar um lance novo. Se divertir à vera num churrasco, com a
cerveja geladinha liberando que saber demasiado é envelhecer
precocemente, sem se preocupar se suas palavras são melhores que o
silêncio. Pouco se aprende com a vitória, mas muito com a derrota. A
longa viagem começa com um passo, mesmo que seja para terminar o dia
com gosto de vazio. Um divertido que não é bom nem ruim.
Os apologistas da pausa querem sustar a reflexão, resvalando
perigosamente para a preguiça, ao apregoar que a incapacidade de
parar é uma forma de depressão. Mas parar como? Querem arrastá-lo
para o ócio e apagar sua chama criativa, enquadrando-o, para
começar, no dia de descanso. Seu movimento incomoda por ser
intermitente e visionário, querem interrompê-lo a todo custo e
atraí-lo para a boca do leão. Por que parou? Parou por quê? Se
outras pessoas incitam a não desistir nunca de lutar, mesmo nos dias
de descanso, carecas de saber que haverá sempre um espírito de porco
a pretender tirá-lo do caminho. Mais difícil do que iniciar um
processo do nada é se compenetrar do compromisso que assumiu. São
letras vencidas irresgatáveis.
Conflito entre devagar se vai ao longe e devagar quase parando.
Consumimos 75% de nosso tempo em como nos realizarmos no amor. Em
evitar frustrações. Estando dentro ou fora de um relacionamento.
Adequando a novas realidades. Sem pausa. Sem margem para descanso,
pois a depressão está na margem de erro.