INCONTINÊNCIA VERBAL
07 de Março de 2005
Se não tiver nada para falar, não diga,
para não se comprometer. Não, não e não, três vezes. O risco do
improviso implica em falácias e bravatas.
- Eu estou apanhando o tempo todo e não posso falar?
O orgulho da oratória aprimorada na porta de
fábrica que deu substância às origens de líder sindical, valendo-se
de uma técnica que lhe é inata para se comunicar com as massas e
sentar no trono de Presidente da República. Com uma popularidade de
66% e nenhum adversário à altura, não tem por que se irritar com
FHC, feliz da vida com o prestígio alcançado em palestras, terreno
onde o professor dá aula. O fato do doutor honoris causa
ter chamado os aposentados de vagabundos não autoriza Lula a relaxar
e conclamar o povo a abrir a caixa-preta do Judiciário e afirmar que
poucas cidades no mundo são tão limpas quanto a capital da Namíbia,
nem parece África. Senão, o efeito Ofélia vira epidemia.
A derrota para o Severino na disputa pelo Congresso deixou Lula
grogue, sem distinguir o delito do acobertamento de mandar um
companheiro abafar denúncias de corrupção do governo tucano do
auto-regozijo com a grandeza do gesto de repúdio à caça às bruxas.
- Não é possível que um discurso atravessado jogue por terra
uma coisa com que todos vocês sonham.
Não é possível o presidente se imiscuir nos nossos sonhos e
fazer valer o mito de que ele é beneficiário sob o pretexto
messiânico de mudar o caráter elitista de nossa sociedade. Evitando
o confronto com madeireiros e propiciando uma lista de
ambientalistas marcados para morrer. A ponto de fazer parar no
hospital a ministra do Meio Ambiente. Esconde o que é ruim e tira do
sério opositores que miram no sóbrio como o calcanhar-de-Aquiles de
Lula.
Queríamos tudo na ponta da língua. Mas Lula desviou para língua
solta, língua presa, dar com a língua nos dentes, pagar pela língua
e manter-se fiel ao mito e ser o que ele é. Ou devia ficar na
encolha do samba de uma nota só? Aliado à banda larga dos 300
picaretas com que homenageou o Congresso. Se tiver que se
manifestar, que o faça logo. Incontinenti. Sob o risco de o tacharem
transformado pelos salões do poder, morrendo pela boca como os
peixes.