O PREFEITO-CADÁVER
07 de Novembro de 2005
Já que o assassinato do prefeito de Santo
André, Celso Daniel, virou novela ao também envolver o braço direito de
Lula, Gilberto Carvalho e o indefectível Zé Dirceu, pondo sob suspeita
os assessores de Celso, por que não vale a pena ver de novo e assacar um
julgamento sobre os capítulos anteriores? Afinal de contas, de tão
inverossímil o imbróglio, a reportagem dos fatos se transformou em
romance político, a investigação virou ficção, uma peça por escrever.
Baseada na impossibilidade de se reproduzir a realidade visto o
cotidiano pródigo de relatos passionalmente infiéis, imprima-se a lenda:
A morte de Celso Daniel não foi obra de
bandidos comuns. Seu seqüestro decorreu de uma ação planejada pelos
assessores do prefeito, comandados pelo Sombra, e referendada em
assembléia do PT. Celso Daniel considerava que transferir recursos não
contabilizados de empresas de ônibus e de lixo para financiar campanha
eleitoral do PT era um mal necessário - uma avant-première do que viria
a acontecer no governo Lula. Só que a brincadeira foi longe demais, as
garras da quadrilha do Sombra cresceram, o caixa dois ganhou sua leitura
correta de esquema de corrupção e... surge o prefeito-cadáver. Celso
Daniel quis fechar a porta e o apagaram com direito a tortura. Se
lembrara tardiamente que foi o único da família que herdara a vocação
política do pai, também falecido precocemente.
O prefeito-cadáver é uma paródia do filme
“A Noiva-Cadáver”, de Tim Burton, em que tentam puxar Celso Daniel do
plano espiritual para resgatar a verdade do mistério que envolveu seu
assassinato. Enquanto não for esclarecido, ele permanecerá como um
cadáver insepulto. A que ponto chegou o ser humano de se ombrear com
Deus e desafiar as leis de desencarnação, impedindo o resgate da dívida
espiritual ao confundir com dívida de campanha. Ô gente desqualificada e
pobre de espírito no trato com a Morte. Não se deve invocar em vão o
nome do espírito que anda rumo ao encontro de respostas que não
conseguiu aqui na Terra.
E o Zé Dirceu ainda se dá ao desplante de querer colocar uma
mordaça no veio dessa história e na compra do passe de deputados para os
partidos aliados dizerem amém aos projetos de interesse do governo com o
objetivo precípuo de pagar a dívida externa. Abdicando de sua condição
de onisciente e arquiteto da alma do PT. Como se fosse possível apagar
as imagens de Lenin da história oficial da União Soviética, como Stalin
fez.
Se, ao menos, os parlamentares tivessem sensibilidade e
freqüentassem o escurinho do cinema - cada vez mais realidade na ficção
-, testemunhariam o espírito de Dirceu, em carne e osso, no filme
“Entreatos”, de João Moreira Salles. Deveria ser anexado aos autos do
santo inquérito como peça fundamental da cassação.