CALORIAS MATAM A FOME
17 de Janeiro de 2005
O Programa Fome Zero como símbolo do
governo de um operário como presidente. O IBGE sacramentou que não
existem os 55 milhões de famintos no Brasil e chutou o pau da
barraca do carro-chefe do governo, numa pesquisa feita em cima do
peso e da altura do cidadão brasileiro. 40% dos adultos com mais de
vinte anos são obesos, deixando a ver navios a desnutrição. Fome de
verdade, só na África.
Por conta do desconforto, inquietação e agonia em não conseguir
emprego ou um rendimento mínimo que assegure uma existência digna,
os pobres se julgam mais miseráveis do que são e comem para
compensar as vacas magras que se avizinham, afinal de contas, nunca
se sabe o dia de amanhã. E tome de se encher de açúcar, de biscoito,
pão, macarrão, de paio com feijão. De gordura animal abundante na
carne de segunda, mais barata que o peixe, copioso no nosso litoral,
sem contrabalançar com verduras e legumes que abundam na lavoura,
nem com as frutas, cuja sazonalidade corresponde a fartura, se
comparada aos padrões do hemisfério norte. Em se plantando, aqui dá
de tudo. Fazendo crescer a bunda que nem fermento no bolo.
Não é à toa que o agronegócio está puxando o PIB
para cima, tornando a cisma com os sem-terra uma sandice do tamanho
do território brasileiro, é terra pra dar e vender.
Restringir a pobreza à questão calórica é muita pobreza. É se
abstrair da indigência do nível de renda dos brasileiros e da
disparidade entre os filhos de Deus e os abençoados pelo país
tropical, facilmente constatável no número baixo de cidadãos que
pagam imposto de renda, compram livros e possuem assinatura de TV a
cabo.
Do alto de sua obesidade, Lula confundiu IBGE com IBOPE e Vox
Populi, optando por comemorar a retomada do crescimento econômico,
enquanto FHC fica milionário como porta-voz da oposição, ao cobrar o
olho da cara em palestras-show para falar mal com propriedade, como
convém a um astro pop, aplaudido nos salões da elite.
Quem ganha com isso tudo? Não se entende o motivo de tamanha
euforia, se basta pôr o pé fora de casa para ficarmos sujeitos a
seqüestro em São Paulo, ou estarmos no meio de um tiroteio entre
traficantes e policiais nas entradas para o Rio. Não se entende como
o risco-Brasil cai tanto quando o turista se torna o alvo preferido
de assaltos. Não se entende por que exultam tanto os operadores das
Bolsas de Valores, a não ser que especulem em causa própria. Não se
entende os empresários vibrarem com o incremento no volume de
negócios, se precisam andar blindados na selva de que tiram lucro. O
mimetismo político de ganhar tempo e pedir paciência explica as
ondas tsunami.
Calorias matam a fome, pouco importa se mais tarde as
coronárias entupidas levarão a enfartes e derrames. Ou bem se mata a
fome, ou do mal se mata o ex-morto de fome.