NÃO AGUENTARAM O
ROJÃO
18 de Abril de 2005
Quem mais se suicida é a classe artística,
após ver sua carreira declinar e cair no ostracismo; os políticos,
quando fracassam no seu maquiavelismo megalomaníaco; e os
psicanalistas, ao não darem conta de interpretar o mundo dos sonhos
de tamanhos personagens e ratearem na sexualidade de Freud.
Capucine, de “A pantera cor-de-rosa”, diante do rareamento de
atuações tornou-se reclusa e deprimida; Pagu, a grande musa
modernista do Movimento Antropofágico, não agüentou o rojão do
vanguardismo e atirou contra si mesma por duas vezes e não morreu;
Violeta Parra, conhecida por “Gracias a la vida”, se antecipou à
repressão sanguinária que se abateria sobre a América Latina sob
ditaduras militares; apesar da fama e fortuna, a cantora Dalida
suicidou-se desiludida com o mesmo fim de seus três maridos; um
deles foi Luigi Tenco que, ao não se sagrar vencedor no Festival da
Canção de San Remo com “Ciao, amore, ciao”, saiu de cena antes que a
música virasse sucesso no mundo inteiro.
O esporte
favorito da mexicana Lupe Vélez era passar na cara todos os atores
com quem trabalhava, chegando a se casar até com o Tarzan Johnny
Weissmuller. Aos 36 anos, grávida de seu último amante, planejou um
suicídio melodramático com gardênias e velas em profusão, vestida de
lamê, depois de cear com as amigas. A combinação da comida picante
com 75 comprimidos de Seconal levou-a a se aliviar esbaforida,
escorregando e caindo de cabeça na privada. Tanto glamour para uma
morte inglória.
Na carreira de grandes artistas a memória procura primeiro
os momentos de glória e aplausos. Embaixo do tapete proliferam
tropeços, fracassos e rejeições, que praticamente desaparecem ante o
brilho que a obra ganha na posteridade. Acreditando-se um autor
frustrado, John Kennedy Toole matou-se aos 32 anos por não conseguir
publicar “A Confederacy of Dunces”, a história de um intelectual
gordo e desajeitado que tem empregos ruins e namoros complicados
enquanto mora com a excêntrica mãe. Provavelmente inspirada na sua
mãe, que convenceu a Universidade de Louisiana a publicá-lo doze
anos depois. O livro ganhou o Prêmio Pulitzer, foi traduzido para
dez idiomas e vai virar filme.
Sócrates fazia com que as pessoas conhecessem a si
próprias, induzindo-as a observar suas próprias contradições na
perseguição da verdade, com ironia. Não deu outra, tachado de
subversivo e corruptor da juventude, foi condenado ao suicídio, no
que o fez com a maior dignidade. Nem assim os gregos se livraram do
segundo atentado contra a filosofia - com cicuta, era moda.
Vingaram-se de Aristóteles, o preceptor de Alexander, o Grande, que
retribuiu ao mestre financiando a Escola Peripatética - lecionava
filosofia passeando. Válido para a democracia ateniense como para o
império romano. Caio Petrônio, autor de “Satyricon”, caiu em
desgraça com Nero e foi convidado a cortar os pulsos, no que o fez
dentro de uma banheira contando histórias aos amigos até morrer.
O que importa não é vivermos ou morrermos, mas sim o que
criamos, por mais breve que seja. Palavras de Spartacus, quando
lutou por um mundo sem escravidão, que só viria a ser abolida dois
mil anos depois. Na época, achavam que morreu em vão, mais um
escravo a cair no esquecimento. Mas ele tornou-se lenda e perdurou,
continuando a viver através do boca-a-boca de outros escravos e de
quem se sentia ameaçado com a perda de privilégios. Spartacus
propunha a união de homens considerados animais, filhos de rameiras
e desprovidos de alma, contra o opressor. Ser como o inimigo é ser
vencido por ele, a bandeira de sua utopia.
Acredita-se que os espíritos superiores procedem, nas suas
revelações, com uma extrema sabedoria. Não abordam as grandes
questões da doutrina senão gradualmente, à medida que a inteligência
está apta a compreender verdades em uma ordem mais elevada. É por
isso que, desde o princípio, eles não esclareceram tudo, e não
disseram tudo ainda hoje, não cedendo jamais à impaciência de
pessoas apressadas que querem colher os frutos antes de
amadurecidos.