DEUS NA TERRA
18 de Abril de 2005
Karol Wojtyla morreu. Comovente a resposta
do mundo ao seu desaparecimento em reconhecimento ao trabalho
pastoral desenvolvido por ele em favor da união dos povos e
frontalmente contra as guerras. Conseguiu um tento inacreditável:
comandou um processo de aparar as arestas entre as religiões,
notadamente a judaica, apesar dos ortodoxos fazerem jus ao nome.
Façanha maior foi se aproximar dos transcendentais asiáticos,
aproveitando os refluxos filosóficos das andanças do Dalai-Lama.
Ficarão gravados nas nossas mentes as andanças do Papa polonês pelo
mundo afora e o beijo no solo, que cativaram a extrema religiosidade
católica do brasileiro, tornada inesquecível na música “A Benção
João de Deus"
:
A benção João de Deus. A benção João de Deus, nosso povo te
abraça. Tu vens em missão de paz. Abençoa este povo que te ama. A
benção, João de Deus.
Entrou para a História como o Papa que derrubou
o comunismo, que já havia se desviado há muito do leninismo inicial,
ao abolir as classes sociais em nome de princípios que a Igreja
defende, como igualdade e solidariedade. Quando, ao que se saiba, a
Igreja defende a liberdade de expressão e as leis do mercado, desde
que humanas e livres da ganância. Como resumo da ópera, pôs fim à
Teologia da Libertação, tornando a divisão entre liberais e
progressistas irrelevante e matando na raiz o padre comunista do
papado de João XXIII. Como corolário, a expulsão do reformista
Leonardo Boff.
A figura boa e humilde de João Paulo II combinava com o uso
desmesurado do perdão. Louvável, em se tratando de perdão, mas
avivou nossa memória quanto aos genocídios cometidos pelos países
colonizadores contra índios e negros, com o endosso da Igreja
Católica. O que nos remete à Inquisição.
Como águas passadas não movem moinhos, chocou a condenação do
uso de camisinha e quaisquer outros métodos contraceptivos em favor
da vida do nascituro, porque estimula a condenação à morte, por
doenças sexuais, de milhões de pessoas que praticam sexo fora do
tipo de casamento entendido por cardeais e bispos completamente
distanciados da realidade do mercado do amor. Quando pregam a
fidelidade e a abstinência como as únicas formas de evitar a
pandemia, motivo de sofrimento e tristeza na África.
As restrições ao aborto indiscriminado são importantes na
defesa da vida e na preservação da nossa espécie, mas a mulher não
pode ser sacrificada. Ainda mais hoje, que ocupa um lugar do qual o
homem não consegue mais tirá-la com as suas gracinhas de caráter
hegemônico - um avanço irreversível. A Cúria não tem capacidade para
aceitar as peculiaridades da evolução da mulher porque ainda a vê
como uma matriz reprodutora do pensamento cristão.
O Papa valeu-se como ninguém dos meios de comunicação e
tornou-se um mito. Mas deixou um flanco aberto. A sexualidade da
Igreja - um tabu. Por se recusar a discutir a abstinência a que
estão submetidos. Tanto que o cardeal Scheid mandou os estudantes de
uma universidade esquecerem Freud. Quando a discriminação homofóbica
partida da Igreja só encontra apoio em severinos. Ferindo os
fundamentos mais primários da psicologia para se confundir com a
figura do pai que é cego: quanto mais bater nos gays, mais eles se
firmam e crescem. Quando se sabe que o povo hetero vive uma crise da
qual não sairá enquanto o sexo masculino não reformular sua escala
de valores, principalmente no que diz respeito à sua identidade que,
no seu entender, o aproxima do gay. Haja vista os prelados
pedófilos, um dos maiores escândalos do século XX, que os iguala a
Michael Jackson.
É difícil eleger o Papa que a Igreja precisa. Teria de ser
Deus. Os fiéis não concordam, por considerarem o Papa Deus aqui na
Terra. Karol Wojtyla conseguiu.