DESCONFIO
21 de Fevereiro de 2005
Desconfio dessas pessoas que não acreditam
em horóscopo e pensam que signo é história para boi dormir,
associados a cartomantes predestinados a ler seu futuro. Pois se os
ciganos mentem, traem e nos infernizam com seus olhos que enxergam
como uma bola de cristal, e provam por A mais B que amor é posse, se
não for paixão a vida é morna, perde o interesse, esvai o seu
sentido.
Desconfio de quem não leva fé em tarologia e astrologia
porquanto as cartas não enganam e os astros ensinaram o caminho para
as Índias e descobriram a América, fazendo os orientais atravessarem
o estreito de Bering, cruzarem o portal do Alasca e impingirem a
cara dos pré-colombianos, cucarachos e dos tropicalistas
brasileiros.
Quem não acredita é porque tem medo. Por não
poder ter controle sobre sua própria vida. Quem dera, até alimentam
essa esperança... inutilmente! Reduzem a existência a um Deus acima
de sua cabeça e se colocam em oposição, em disputa desenrolada num
quadrado a que se circunscrevem. Não se apercebem que o conflito se
concentra na cabeça de John Malkovich e que o extraterrestre não
está fora, circula à vontade a manipular seu ego para testá-los. À
medida que o seu tempo se esgota, eles se desesperam, por constatar
que não detêm as rédeas do jogo, obviedade que não atinaram por se
orgulharem do seu óleo superlubrificado cuja potência os coloca à
frente dos cavalos que deveriam tocar.
Desconfio de quem não deposita seu crédito no espírito e aposta
na crueza do intelecto como símbolo da galhardia da espécie. Cujo
horizonte se encerra no cemitério, não distinguindo cinzas humanas
de vulcânicas, ou da poeira que varre o planeta na tentativa vã de
desmanchar vestígios do percurso do homem. Incinerando arquivos da
opressão a quem pensa contrário, fornida na inquisição como fiel da
balança de reagir a quem ousa agir. Quando o câncer reside na
estratégia maquinada por uma estrutura viciada em pespegar o rótulo
de radical e desequilibrado em quem diz o que pensa e não dorme
enquanto não desmontar a malignidade impressa no DNA dos apologistas
do diletantismo, indiferentes às exigências da arte do ofício de
viver em consonância com o que temos de melhor para dar. Acomodados
à mediocridade e ao discurso politicamente correto de pensar a
família em uníssono, calando vozes dissonantes que vislumbram
alternativas fora do círculo fechado.
Essa gente que fala a mesma língua desconfia de quem não
pertence à engrenagem, não reza na mesma cartilha e não se submete a
chefetes que se arvoram em herdar posições de influência, porquanto
invejam a audácia de quem anda no sentido contrário ao dos ponteiros
do relógio. Sem o menor pudor, se entregam à desconstrução do
espírito crítico, de quem não tem papas na língua, sem a mínima
preocupação em legar um caráter de veias abertas a seus filhos.
Acabam invariavelmente no divã do psicanalista, no terreiro do
pai-de-santo, ou nas mãos de espíritas que os guiarão quando sua
resistência chegar a zero e entregar os pontos.
Desconfio de quem desacredita do oráculo de Delfos, os enigmas
estão por aí mesmo para serem interpretados. Qualquer tentativa de
reduzi-los à insignificância, fará jus à desdita de passar a vida em
branco e não haver encontrado uma resposta.