O
Dirceu da militância no movimento estudantil em 1965. O Dirceu preso em 1968,
durante o congresso da UNE em Ibiúna. O Dirceu nos porões da ditadura por um
ano. O Dirceu do grupo exilado em troca do resgate do embaixador americano.
Entre 1969 e 1975, Dirceu se doutora na arte política em Cuba. O José Dirceu da
cirurgia plástica que transforma o seu rosto e possibilita que volte ao país com
uma nova identidade. Para viver em Cruzeiro do Oeste, casar, ter filhos e um
pequeno negócio. Beneficiado pela Lei de Anistia em 1979, reassume sua
verdadeira identidade e ajuda a fundar o Partido dos Trabalhadores. Mede-se sua
ascensão no partido pelos cargos que ocupou, até José Dirceu se tornar o
principal mentor da estratégia política que conduziu Lula à presidência da
República, além de deputado federal com mais de 500 mil votos. Ah, o Zé Dirceu
negociador da adesão de adversários do passado como José Sarney e Roberto
Jefferson! O superministro da Casa Civil que afasta do núcleo do poder petistas
que poderiam ofuscar seu brilho. O regente que orquestrou a expulsão da senadora
Heloísa Helena dos quadros partidários por opor-se a reformas econômicas com a
impressão digital dos tucanos. O Zé que divide o quarto de hotel com Waldomiro
Diniz, envolvido em favorecimento de negociatas de loterias e bingos. O Zé
Dirceu acusado de mentor e chefe da quadrilha de distribuição de mensalões a
deputados. O José Dirceu de todas as chicanas jurídicas para enterrar o processo
de cassação.
O que mais pesou na sua cassação foi justamente o seu
histórico. Para desgosto de bolsonaros, as perseguições acabam por transformar
vítimas em heróis e políticos importantes. Contudo, como um líder nato que nem
José Dirceu, que nunca fugiu às suas convicções e a seus objetivos pautados por
uma ideologia aperfeiçoada ao longo do tempo, vem dizer que não viu nada, que
não sabe de coisa alguma, que não participou, nem tramou e muito menos coordenou
o governo paralelo do valerioduto?
O Dirceu julgado não é mais o guerrilheiro e sim o
animal político no qual se transformou, perdendo a estatura de um simples mortal
para adquirir uma aura que transcende os três poderes. Tamanha a sua
inteligência, o seu preparo e ambição alimentada por regimes totalitários com
que se defrontou. Virou uma hidra de sete cabeças que engolia todos os
adversários. Para voltar a ser humano, basta abrir a boca e dar com a língua nos
dentes. Sobre o que há de podre no reino da Dinamarca.