TALENTO É O QUE CONTA
03 de Julho de 2006
Era para vingar e virou freguês. Pela
terceira vez. Em 86, no pênalti perdido por Zico. Em 98, no piti de Ronaldo.
Em 2006, no técnico travado cuja língua de iguana é a viva voz da sua
emoção. A França, que celebrizou a guilhotina, se converteu no maior
carrasco do Brasil. Tanta vingança nos corações e mentes para o Brasil
morrer abraçado a quem mais odeia: a Argentina. Bem que Pelé estava com um
mau pressentimento mas, fora do campo, ninguém confia em sua sabedoria.
Vergonha não foi a derrota e sim a falta de tesão que contaminou até o
Ronaldinho Gaúcho.
Zidane mostrou quem é o melhor do mundo e que a conquista do
título em 98 não se deveu só às convulsões de Ronaldo. Os brasileiros
vão ter de engolir que a França pode cantar de galo - seu símbolo.
Les bleus carimbaram a qualidade de sua geração na arrogância e
presunção da nossa vingança.
O que Roberto Carlos estava fazendo, agachado na
meia-lua, para deixar Thierry Henry à vontade para marcar o gol da
França? E o Cafu, preocupado com a glória de seu percurso de vida?
Aberto o caminho para Ronaldo se aposentar e jogar futebol nos Estados
Unidos, tornando-se um cidadão itinerante no mundo e uma marca como
Pelé. Celebridades que não vestiram a camisa. A valorização do seu
futebol nos gramados europeus afastou-os de sua origem. Uma manobra bem
urdida pelos donos do circo para entorpecer nossos astros e não perder
outro campeonato em plena Europa.
Os franceses deram um nó na nossa criatividade, que não
conseguiu deslanchar. Tirando Dida, Lucio, Juan e Zé Roberto, todos
pareciam anestesiados. Onde já se viu precisar motivar o jogador para
disputar Copa do Mundo? Faltou atitude dentro de campo, o que, no
linguajar do torcedor, significa raça. Saudades da garra do Felipão,
porque Parreira, como gestor de talentos, está mais pro futebol feio e
retrancado de 94.
A seleção canarinho refletiu a postura do técnico Parreira.
Imobilizado, sem ousadia, racional a ponto de ser chato, apologista da
repetição, despreparado por só pensar na final. Não botou ninguém pra
frente, a síndrome da depressão. Se tivesse ouvido Thierry Henry sobre a
infinidade de talentos que surgem no futebol brasileiro:
- Quando era pequeno e estudava das 7 às 17 h, pedia para meu
pai me deixar jogar bola depois. Ele me mandava fazer o dever de casa.
No Brasil, as crianças jogam bola o dia inteiro e ninguém fala nada.
Basta pôr os pés na rua que, onde tiver um espaço vazio, todo mundo bate
uma bolinha e faz embaixada. Nas favelas, nas praias e até em beira de
estradas. Vem do berço. Não dá para competir.