MUDANÇA DE PERSONALIDADE
05 de Junho de 2006
No filme argentino “Tempo de Valentes”, um
psicólogo se converte em policial ao tratar de um detetive que pirou ao
ser traído e passa a integrar batidas, perseguir bandidos e receber
ofertas de propina. Encara e vence X-9, arapongas, torturadores, agentes
secretos, delegados que encobrem a ação homicida da ditadura, a ponto de
cogitarem se ele não seria um espião de fato. Meio sem querer, realiza o
grande sonho de ser um 007.
De deslumbrado ao percorrer os salões do poder como grande
líder popular que veio de baixo para causar inveja à América Latina e
impressionar a Europa, impactando a África com seus pedidos de perdão
aos países fornecedores de escravos que forjaram o Brasil, Lula acabou
por cair no poço sem fundo do mensalão.
Se a inteligência privilegiada de Zé Dirceu não
foi suficiente para impedir sua cassação, esperava-se que Lula também
não resistisse. Os que poderiam incriminá-lo recuaram diante do seu peso
na História para chegar a presidente. Derrubá-lo ofenderia os instintos
mais nobres da população humilde. Quem se arvoraria em ser o carrasco?
A questão de Lula saber de tudo e ficar alheio que nem um dois
de paus passou batida e ganhou alento a teoria de cientistas políticos
de que a massa ignara associa corrupção à classe política e mantém-se
desinformada a respeito, preferindo “o Lula é como nós” - em outras
palavras, o brasileiro não sabe votar.
Se Marcos Valério como entidade todo-poderosa foi criada nas
Minas Gerais tucana, é melhor esquecer. Se o PT confunde caixa dois em
campanha eleitoral com financiar projeto chavista para se manter no
poder, é maracutaia das brabas por se provar. Melhor se contentar com o
expurgo de Zé Dirceu, Palocci, Genoíno e a arraia-miúda Delúbio e
Silvinho. Pelo menos deixou Lula sozinho.
Lula foi obrigado a cair na realidade de ser presidente e
passou a filosofar menos. Improviso, só no estilo de comício, em que se
sai esplendidamente. Calou-se para ouvir o clamor dos seus inquisidores.
As vestais acabaram por lhe ensinar o caminho das pedras com o exercício
do perdão aos companheiros cassáveis - ou o sprit de corps do
Congresso não funciona como um todo? Os mesmos que engavetaram a CPI dos
sanguessugas. Levar um troco forrado na compra de ambulância é um mal
menor, ainda que fosse para punir os 300 picaretas da Câmara anunciados
pelo paranormal Lula. A ponto de o investigador Gabeira, depois de
obrigar Severino a se recolher à sua insignificância, prever que a
relação de forças no futuro Congresso será favorável aos bandidos, pois
muitos serão reeleitos.
Será que é preciso um Wesley, advogado de Marcola, o chefe da
quadrilha que acuou São Paulo, para refletir o sentimento nacional de
que o Congresso é uma verdadeira escola de malandragem? Num depoimento à
CPI repleto de mentiras, saiu algemado ao ofender o decoro parlamentar.
Lula, líder sindical que não demonstrou muita aptidão para
deputado federal, não foi prefeito nem governador, parecia ser um
estranho no ninho. Agora, a caminho da reeleição, troca juras de amor
com Sarney por causa da ferrovia Norte Sul. Aquela que ligava nada a
lugar nenhum. Confessa-se arrependido da injustiça que cometeu, já que
era contra sem saber por quê.