O RONCO
10 de Abril de 2006
É uma das maiores imperfeições com que
Deus nos criou. Não há tatu que agüente nem bem soar o primeiro minuto
em que o sujeito apaga e logo começar aquela sinfonia de irritar os
ouvidos do mais insensível dos seres. Sob o álibi de que dormir é o
desfalecer dos sentidos, o ronco torna o homem num monstro e a mulher
numa jararaca, figuras de assombração dos contos de Grimm. O velho se
aproxima da morte e a surucucu comprova que deu adeus à beleza, faz
tempo. Os jovens começam ressonando - um aviso - para conter a
obesidade, o cansaço inútil e o beber desenfreado. Desculpas ridículas
para a apnéia.
A verdade é que o ronco separa, e não se está falando de
quartos ou dormir na sala. Se torna tão insuportável ao correr dos dias
que você tem de se livrar daquele animal que dorme ao seu lado. Tamanho
o rugido da besta humana. Um inimigo que não permite a desconcentração e
o relaxamento, uma tortura que não combina com amor.
Para não falar de romantismo, a confirmar a
máxima de Caetano Veloso que, de perto, ninguém é normal. Não se dão ao
respeito nem em poltronas de avião ou de ônibus; por merecerem um
cascudo no meio do quengo ao quebrarem uma harmonia em construção - o
sono em silêncio.
Que harmonia, qual o quê! São egoístas inveterados já
acomodados no seu status quo, envelhecidos em barris de carvalho, a nos
servir vinagre com seu hálito putrefato de cabo de guarda-chuva.
Tenham um mínimo de vergonha na cara porque ninguém é obrigado
a aturar o ronco, meus senhores e minhas senhoras! Vão limpar essa baba
asquerosa, vão se tratar, dêem um jeito no grunhir da sua alma, não nos
transportem para seus abismos, o ronco tira qualquer dúvida: você não
quer ninguém do seu lado.