ROMA, CIDADE ABERTA
27 de Março de 2006
Até que a palavra de Cristo fosse
completamente disseminada e apreendida como novo parâmetro existencial,
necessitou o Império Romano entrar em decadência nos anos 300 d.C. e
bipartir-se em Ocidente, à direita da sabedoria grega, e Oriente, à
esquerda, na atual Turquia, que se converteu no Império Bizantino.
Alastrando um enorme sopro renovador na espiritualidade de povos por
onde Jesus Cristo andou e não andou, a ponto de fazer surgir o Islã
pelas barbas do profeta Maomé. O Iluminismo muçulmano aflorou nos
mosaicos e nas construções de palácios e mesquitas de 1001 noites. O bom
uso da matemática e astronomia no desenvolver da influência grega deixou
claro que Alá veio para ficar.
Enquanto os orgulhosos romanos eram pouco a pouco vencidos
pelos bárbaros, assim chamados porque não foram civilizados pelos neros,
brutus e caios gracos. Os vikings, visigodos, ostrogodos, hunos e outros
apenas queriam respeito ao direito de constituir seu povo segundo suas
próprias leis e costumes. Todo império entra em decadência por custar a
aceitar do outro lado da mesa o parceiro que cresce, ao vê-lo como
futuro usurpador.
O que restou à flama dos bravos e heróicos
gladiadores que tanto alegravam a onda de coliseus, a marca registrada
do Império Romano? O domínio papal no comando da moral e dos costumes,
na qualidade de guardiões do portal de Deus, negociando com os diversos
patrões de condados, ducados, reinos e feudos, sementes de futuras
nações, ao lançar-lhes sobre a cabeça a iminência do céu e do inferno
para os pobres de espírito: os que não enxergam o Além e apenas captam a
linguagem da ameaça que os maus espíritos trazem.
Foi quando passou a valer a verdade máxima: todos os caminhos
levam a Roma. A cidade aberta para abençoar monarcas de todas as
espécies e conduzir o destino espiritual de quem entende de guerra, mas
cuja alma passava despercebida de que tínhamos outras vidas, apesar da
morte encorpar a sombra de noites mal-dormidas e ensejar maus
presságios, originando o pesadelo.
Ao atingirem tal poder, mantiveram a população na ignorância,
reservando aos sacerdotes o monopólio do saber na absorção de nuances
das parábolas do Novo Testamento com o objetivo de interpretá-las para a
massa ignara. Umberto Eco já dizia que era um tempo extinguindo-se
vagarosamente a se reproduzir bíblias escritas à mão. A cultura
encarcerada nos mosteiros. A Idade Média.
Tanta sapiência acumulada só podia dar em idéias de grandeza, e
nada melhor para tanto do que declarar guerra. Aos mouros. Fazendo-se
valer, agora, de exércitos cristãos - as Cruzadas -, para naufragar a
cultura islâmica que já comia pelas beiradas as atuais Portugal e
Espanha.
As religiões ocidentais, primas entre si no dar um fim ao
politeísmo e fetichismo pagão, resgataram o Deus monoteísta e
inauguraram um mar vermelho de guerras com os povos tementes a Alá. O
fanatismo a serviço dos donos da verdade que deturparam a palavra de
ordem que deve predominar dentre os homens de boa vontade: a concórdia.
Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. Hoje, Roma
é cidade aberta. Os judeus se instalaram na Terra Prometida à espera do
Messias e disputam Jerusalém com os palestinos que, relegados a um
gueto, se transformaram em homens-bomba em busca de um paraíso onde
habitam os bem-aventurados e almas justas.