CHICAGO
30 de Outubro de 2006
O homem, quando guiado pela necessidade,
pode ir muito mais além do que se espera, ao invés de se deixar ficar ao
redor de sua praia onde só encontra facilidades.
Com esse espírito chegaram os primeiros colonos em Chicago para
se assentarem num terreno hostil, mas já desonerados das taxas
exorbitantes que a monarquia cobrava para o sustento de sua corte,
matrimônios principescos arranjados e guerras inúteis. Havia uma nação
livre por se construir.
Mas justo em Chicago, cujo termo indígena
significa cebola selvagem? No inverno, o lago Michigan congelava, as
águas recuavam e o pântano se formava em extenso território plano, com a
cebola dando o ar de sua presença com o mau cheiro. A tal ponto que os
ferozes índios black hawk nem queriam saber de lá viverem, evitando-o e
estranhando a opção dos chicagonianos de se instalarem naquela grande
pocilga. Mesmo porque no degelo o volume das águas aumentava e inundava
tudo o que Deus dispõe na natureza.
No entanto, havia navegabilidade por ser explorada no rio
Mississipi para alcançar o Golfo do México. No rio São Lourenço, que
deságua no Atlântico. Nos outros grandes lagos. Por que não atrair o
europeu para atravessar os Estados Unidos e facilitar a imigração, o
progresso, a circulação de dinheiro? Em 1848, é concluído um canal de
cerca de 400 km conectando o lago Michigan com o sistema hidroviário do
rio Mississipi, tornando Chicago o principal centro de transportes do
país. Utilizou-se a mão-de-obra negra, ainda escrava, para cavá-lo à
mão, sem o maquinário moderno que estava por ser inventado. Sem
precedentes no mundo, a empreitada atraiu trabalho e investimentos,
modificando o status de um importante assentamento a caminho da
conquista do Oeste para a Chicago imortalizada por Abraham Lincoln e Al
Capone.
Em 1871, sobreveio um incêndio que durou trinta e seis horas e
destruiu a cidade inteira, agravado por constantes ventos que espalharam
fagulhas ao açoitar a região. As casas eram de madeira, abundante na
fronteira com o Canadá. Na reconstrução, se utilizaram do aço que passa
a ser o seu esteio, acabando por elevar o nível da cidade, já que a
vazão da água se mostrava incontrolável, necessitando da tecnologia
holandesa, mestra em diques.
Chicago foi a única cidade que passou incólume pela Grande
Depressão de 1929, graças a uma mentalidade de crescer com as suas
próprias poupanças; se dinheiro é tudo na vida, não tem cabimento
depender de quem quer que seja.
Assim pensando, os milionários Wrigley (chicle de bola), Sears,
McCormick (ceifadeira mecânica), Marshall Field (lojas de departamento),
dentre outros, deram sustentação à metrópole cuja imagem é o
arranha-céu, tornando-a um centro de inovação arquitetônica com a
filosofia de que a função precede a forma. Ao que Frank Lloyd Wright, o
mais célebre projetista, acrescentou uma dose cavalar de coragem e
crença nas suas idéias aos 22 anos. Não por vaidade, mas por repensar o
mundo a partir do habitat em que se desenvolve, rejeitando o estilo
vitoriano reinante até na mentalidade. A ponto de criar um mobiliário
adaptado à concepção de suas casas; sem grife, impensável ainda em 1889.
Um apologista da privacidade, acabou com o entra-e-sai da casa
da sogra e fechou as portas para a fofocagem de vizinho, mudando os
hábitos de uma família se comportar não só dentro do lar, como também
não devassando seu estilo de vida para a vizinhança. Suprimiu a varanda
da frente e camuflou a porta de entrada. Por isso mesmo, Lloyd foi visto
com desconfiança e odiado por infringir os padrões culturais da
Província Terra, tendo sido obrigado a se socorrer em outras plagas como
o Japão para adquirir respeito e projeção. Havia um quê de ousado na
estética do retilíneo de sua obra, que se amolda às paisagens abertas e
planas das pradarias de Chicago, procurando captar a iluminação natural
em cantos mortos da casa onde punha janelas.
Frank Lloyd Wright viveu 92 anos para constar de uma galeria de
homens que cada vez se torna maior por estar à frente de seu tempo e
precisa de anos-luz para ser digerido, classificado e catalogado segundo
nossa visão burocrática que enfatiza mais os episódios da vida pessoal
do que a obra.