ENCHER A BOLA DEMAIS
02 de Julho de 2007
Por puro amadorismo,
singeleza d’alma e espírito ainda não tragado pelas
vicissitudes da vida, enchemos a bola de alguém com
um entusiasmo desproporcional ao caráter do
indivíduo em questão, aqui tratado por Zero.
Porque simplesmente
admiramos Zero. Ele caiu nas nossas graças, de
pára-quedas. Nos fez encher os olhos e nos dá ganas
de cobri-lo de elogios. Desligamos o telefone só
para nos concentrarmos na conversa, porque ele virá
com um ponto de vista que foge ao padrão
encontradiço. Nunca um amigo sentou-se ao seu lado e
mostrou-se tão disponível para separar o joio do
trigo e ajudá-lo a ver as coisas menos turvas. Se
nele enxergamos defeito, guardamos na gaveta. Não
adianta peru de fora dar palpite porque qualquer
intromissão será encarada como inveja do crédito ao
Zero. Como quebra-galho, torna tudo mais fácil para
você! Se é por amor, então, não se abate com
obstáculos ou espírito de porco, suas atitudes
manifestam o desejo de um mar de rosas, fazendo
pensar que ninguém merece uma entrega tão descolada.
Nada mais justo,
portanto, a homenagem e a corte que encerra o seu
deslumbramento.
Uma amizade como essa não
existe. Se desbragada a propaganda gratuita de Zero,
o desdém por tanta ingenuidade é também exagerado. É
inveja tipicamente provinciana de você que se
sintoniza com o romantismo sem pé nem cabeça, ao
sentir falta de declaração de amor às três da
madrugada. Ora, se você enche a bola demais, és um
babaca, um dia será traído.
E quando Zero vira o fio
e você descobre a opção errada que fez ao se
apaixonar perdidamente por uma fulustreca? Não
entende o que é que a baiana tem, quer distância de
quem apronta um barraco, alma gêmea só em terra de
cego, há algo de podre nos domínios do amor. A
ilusão é sua inimiga.
E quando você saca que o
Zero amigo é um zé-mané, cuja cabeça extraordinária
fora fruto de um delírio que reagiu em cadeia até
aquela pessoa, antes apagada no meio da multidão,
imergir para surpreender a galera descrente de
tamanha fenomenologia, para provar que vale a pena
cultivar uma amizade que veio do nada, sem
necessidade de pedir referências ou se veio através
de quem? Quem mandou ser transparente demais e não
acreditar em bruxas?
Confia desconfiando
versus a crença que nos dá sustentação e segurança
para criar esperanças e construir relações, firmando
no amor mal traçadas linhas que não disfarçam
quereres, saberes e morreres de pé, para não vergar
solitário, impávido colosso.
Mas você é um zero à
esquerda se pensa que pode negociar com a vida a
respeito de suas boas intenções na amizade e no
amor. O Zero é um agente infiltrado para conter sua
sofreguidão infantil em encher a bola como um filho
faz do pai seu ídolo e depois descobre seus pés de
barro. O Zero se revela quando começa a vacilar e
promete que isso não mais se repetirá, uma, duas,
três vezes, até a Cinderela virar abóbora.
Quantas vezes você não se
aproximou de alguém e a empatia foi total e
absoluta? Para, no ciclo seguinte, um ato falho
denunciar no Zero um traíra que, como parente, cospe
no sangue que corre nas veias da família; como
patrão, transforma-se de generoso em mesquinho num
estalar de dedos; como empregado, de subserviente
vai ao rancor com que te impregna por não ter
nascido em berço esplêndido.
A conseqüência inevitável de se encher a bola demais
e tomar na tarraqueta, é esvaziar a imaginação e se
fechar em concha.