Coleção "Rússia de todos os Czares" - Fascículo 06
LENIN E A REVOLUÇÃO RUSSA
Eis então que apareceu Vladimir Ilitch
Ulianov, conhecido por Lenin, que iria mudar o curso da História russa mais
profundamente que ninguém, depois de Pedro, o Grande. Trazia debaixo do braço a
doutrina do comunismo.
O comunismo é uma doutrina política,
econômica e social baseada na propriedade coletiva dos meios de
produção. Tem como ideal a primazia do interesse comum da sociedade
sobre o de indivíduos isolados. Através do Manifesto Comunista, escrito
em 1848 pelos pensadores alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895), o comunismo surge como o estágio final da
organização político-econômica humana. A sociedade viveria num
coletivismo sem divisão de classes nem a presença de um Estado
coercitivo. Prevêem um estágio intermediário de organização, o
socialismo, que instala uma ditadura do proletariado para promover a
destruição completa da burguesia, abolir as classes sociais e
desenvolver as forças de produção de modo que cada indivíduo dê sua
contribuição segundo sua capacidade e receba segundo suas necessidades.
Lenin não parecia talhado para o papel de
inflamar os espíritos, oriundo de uma família bem posicionada que lhe
proporcionou uma educação clássica. Quando seu irmão foi executado ao
conspirar para assassinar o czar Alexandre III, em 1887, descobriu sua
veia de incendiário.
Marxista em 1891, Lenin foi preso em 1895
e enviado à Sibéria. Libertado em 1900, deixou a Rússia e viveu em
Genebra e Paris durante a maior parte dos 17 anos que se seguiram.
Preparando a revolução dos bolcheviques que formavam a ala esquerda do
partido dos trabalhadores, a socialdemocracia russa.
Nem ele nem outros bolchevistas tomaram
parte em movimentos insurgentes anticzaristas. Foi com a ajuda da
Alemanha, ainda em guerra com a Rússia e evidentemente interessada em
agravar os tumultos nesse país, que ele voltou a Petrogrado em abril de
1917, encontrando um governo provisório dirigido por Kerenski e hostil
ao partido bolchevista.
Com a queda da monarquia, a coluna dorsal
do chamado estado burguês foi quebrada, seus interesses sempre foram
contrários às aspirações do povo, que se tornou senhor do seu próprio
destino. Os camponeses representavam 85% da população e queriam a posse
da terra, custe o que custasse, já, sem trâmites nem cerimônias,
imprensados entre os latifundiários e os kulaks (pequeno proprietário de
terra próspero) - a burguesia rural. O operariado exigia a reversão
imediata das condições animalescas para humanas na jornada de trabalho.
Em ambiente febril favorável a transformações radicais, urgia organizar
o problema puramente econômico.
Acima de tudo, o problema político,
através da ressurreição dos sovietes operários cujo embrião datava de
1905, que passaram a dar a palavra de ordem para toda a massa
trabalhadora do país, se impondo progressivamente sobre o exército,
diante de uma burguesia capitalista fraca, desorganizada, sem tradição
nem experiência histórica.
Era necessário audácia, mais audácia e
sempre audácia, preconizada por Danton 120 anos antes. A cessação
imediata da guerra contra a Alemanha e a desmobilização dos soldados
voltada para a construção do verdadeiro socialismo, com a convocação
urgente de uma Assembléia Constituinte. Entretanto, o governo de
Kerenski, que era essencialmente dominado por mencheviques, liberais e
burgueses, ainda contaminados pelo vírus do czarismo, perdeu rapidamente
sua credibilidade ao não cumprir as promessas e ver engrossar a fila do
pão.
Finalmente, na véspera de 7 de novembro de
1917 - 25 de outubro segundo o velho calendário juliano ainda em vigor
na época -, os membros dos Sovietes, conduzidos por Leon Trotski,
ocuparam os palácios oficiais mais importantes e fizeram prisioneiros os
ministros do governo provisório. O partido bolchevista assumira o
comando dos Sovietes, por meio de um quadro de ativistas de acurada
consciência revolucionária, onde militantes, propagandistas, escritores,
organizadores e homens de ação, brigadores e obstinados, se instalaram
no poder graças ao seu espírito de organização, unidade de ação e
transformar em prática a teoria, com o lema de Lenin: “Paz, Terra e
Pão”.
Ou seja, retirada da Rússia na guerra
contra a Alemanha, a reforma agrária e a normalização do abastecimento
de artigos de subsistência. A fábrica para os operários e a terra para
os camponeses. “Todo poder aos Sovietes”, proclama Lenin ao ser nomeado
presidente do Conselho dos Comissários do Povo. Em seguida, nacionalizou
indústrias e bancos estrangeiros, redistribuiu terras e estabeleceu a
ditadura do proletariado, inaugurando a política de comunismo de guerra,
sob slogans: “Guerra aos palácios! Paz na moradia dos camponeses!”
Concederam independência à Finlândia, pela
primeira vez, e à Polônia, mas não reconheceram nenhuma dívida contraída
pelos czares, espontaneamente institucionalizado como o Dia do Calote.
Aboliram a propriedade privada e desmontaram toda ordem baseada no
capitalismo, mundo esse estruturado para que não compreendamos tudo que
nele acontece de modo que se faça sempre presente a liberdade de
expressão.
Alimentaram a pretensão de compreender e
interpretar o funcionamento do sistema, determinando o significado
preciso de suas variáveis que compõem a equação do bem-estar da
coletividade, através de uma fé inabalável em uma filosofia pura que os
fazia enxergar melhor o mundo ao seu redor. A ponto de o milionário Sava
Morósov abrir mão de sua fortuna em favor da causa comunista, sendo
sacrificado pela própria família como um traidor.
Todavia, os comunistas ainda não haviam
vencido. Logo caem em uma outra guerra, ao se retirarem do front de
batalha contra os alemães. A descompressão das nacionalidades oprimidas
pela aristocracia propiciou o surgimento de movimentos nacionalistas e
tendências separatistas. O governo revolucionário bolchevique,
constituído como a República Federativa dos Sovietes da Rússia para
defender os interesses de uma população numerosa e miserável, também
sofria atentados praticados diariamente pelos contra-revolucionários
mencheviques, anarquistas e outros, cujos interesses foram prejudicados.
Os Aliados iniciam um cerco econômico aos
bolchevistas, Inglaterra, Estados Unidos e França perderam seus
investimentos com a nacionalização dos bancos, nada será como dantes no
quartel de Abrantes. O território russo é invadido pela Turquia e Japão,
os britânicos se instalam no Mar Cáspio. Até os poloneses tiram uma
casquinha e se apoderam de Kiev. Um desdobramento da 1ª Guerra Mundial
se afigura, os bolchevistas começam a perder o controle da situação.
Em julho de 1918, com a
dissolução da Assembléia Constituinte, os sovietes assumem o poder desde
a mais pequena aldeia até o topo da pirâmide, em Congresso constituído
por Comissários do Povo. Agora é bola ou búrica, russo vermelho contra
russo branco, comunistas contra um somatório de contra-revolucionários:
proprietários rurais, burgueses, comerciantes, militares e policiais
reaças.
Corria o boato de que um destacamento do
Exército Branco se apressava em libertar o czar Nicolau II. Por questão
de segurança, ele e sua família já haviam sido autorizados a viajar para
a Sibéria num trem particular com a seguinte escala de serviçais: 7
cozinheiros, 10 escudeiros, 6 damas de companhia, 2 criados de quarto, 1
enfermeira, 1 médico, 1 barbeiro, 1 mordomo e 1 enólogo.
O verão sangrento de 1918 prometia. Os Romanov foram condenados
à morte, na calada da noite, a tiros de pistola e golpes de baionetas, e
seus corpos levados para uma mina onde se dissolveram em 200 litros de
ácido sulfúrico. A militante anarquista Fania Kaplan disparou três tiros
no pescoço, no braço e na perna de Lenin, o líder considerado herói pelo
povo, gerando graves problemas de locomoção e fala.
Irrompeu um clamor incontrolável pela punição daqueles que
estavam a aterrorizar e impossibilitar o desenvolvimento da Rússia
soviética. Os fins justificam os meios, o que importa é construir o
Estado comunista e alcançar a ditadura do proletariado, tudo que for
realizado para avançar nesse rumo é justificável e revolucionário.
Passou-se, então, a combater a violência com uma violência ainda maior,
contra todo suspeito de envolvimento em atividades terroristas
contra-revolucionárias ou espionagem para as potências estrangeiras.
Cria-se a Cheka (Comitê contra Atos de Sabotagem e
Contra-Revolução), uma polícia secreta nos moldes da Okrana czarista, só
que a serviço da causa comunista, cuja função era executar os traidores
da Revolução de Outubro sem julgamento. Os primeiros foram os
anarquistas. A preferência recai sobre São Petersburgo, rebatizada de
Petrogrado na 1ª Guerra Mundial, por ser um nome alemão. Sua fama
cultural e espírito de independência tornou-a suspeita perante os olhos
dos novos dirigentes. À perseguição maciça, não hesitavam em atirar
sobre manifestantes, não havia espaço para sentimentalismo barato.
Contra-revolucionário não vinha carimbado na testa, uma ajuda externa de
14 países os sustentavam.
O respeito à vida humana, o caráter e a integridade
revolucionária como base de uma nova ordem social foram repudiados como
sentimentos burgueses. Puderam ser heróis e ignóbeis ao mesmo tempo,
arrancar confissões e não admitir a inquisição, mentir e difamar em nome
do idealismo. Promover execuções, legítimo, do ponto de vista
revolucionário.
Durante os três anos que se seguiram, as forças anticomunistas,
constituindo o que se chamava de Exército Branco, combateram o Exército
Vermelho. Porém, os ex-oficiais do exército czarista não estavam
preparados para combater a natureza ideológica do adversário, a crença
era maior, a julgar pelo entusiasmo de Leon Trotski, que se revelou um
brilhante estrategista como comandante-em-chefe do Exército Vermelho.
Embora mais bem equipado, era numericamente inferior e não contava com a
ajuda popular, a ideologia anticomunista só viria mostrar suas garras na
Guerra Civil Espanhola.
O país mergulhou numa anarquia administrativa em meio a
pilhagens, chacinas e miséria. O conflito custou a vida de mais de 20
milhões de russos, se somarmos aos abatidos pela fome e 1ª Guerra
Mundial. “A força é parteira de toda sociedade grávida de uma nova
sociedade”, com o sangue assinaram embaixo de um país em ruínas.
Em março de 1921, explode a revolta dos marinheiros de
Kronstadt, exigindo novos rumos para o comunismo, eleições livres para
os Sovietes. Tarde demais, o novo regime já estava implantado,
sobrevivera à prova de fogo. Massacrados os sediciosos, surge a União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS.
Industrialmente, o mais atrasado de toda a Europa. A abolição
do direito de propriedade retirou do mercado ¾ do trigo e despencou a
produção industrial numa proporção de 100 para 10. A ruína das terras
mais ricas e a requisição dos excedentes dos camponeses pobres
diminuíram as provisões familiares, a destruição e desorganização das
forças produtivas geraram escassez, uma ruptura perigosa entre o campo e
as cidades. O governo decide recuar em suas ambições de implantação
imediata do comunismo de guerra e retomar temporariamente a iniciativa
privada, com a venda da produção agrícola livremente nos mercados e o
pequeno comércio particular - é a NEP, a Nova Política Econômica. Muito
embora o Estado retivesse nas mãos os setores mais vitais, como bancos,
comércio exterior, mineração e transporte.
Anos difíceis de inanição provocam o esgotamento e a apatia nas
massas, comportamento que favoreceu a implantação da ditadura partidária
- proibidas as facções dentro do Partido Comunista, estenderam a
ditadura sobre si próprios -, repercutindo negativamente para a causa do
socialismo internacional.
Lenin critica a lentidão do processo pós-revolucionário e
sugere ao Politburo (Comitê Central do Partido Comunista) a escolha de
um secretário-geral para coordenar as atividades do Partido, incumbido
de mediar os interesses entre as lideranças e os correligionários. Um
cargo mais burocrático que político, segundo os pensadores bolchevistas,
numa apreciação rasa, uma tarefa incômoda como a pedra no sapato. Joseph
Stalin, georgiano filho de sapateiro e de lavadeira, foi candidato
único.
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