Coleção "Rússia de todos os Czares" - Fascículo 09
STALIN, HERÓI DE GUERRA
O período de 1936-38 é o mais complexo e
definidor do século XX, em que se emaranham o apogeu do nazismo de Hitler e do
fascismo de Mussolini com o clímax dos grandes expurgos de Stalin, ao se
apropriarem do cenário da Guerra Civil Espanhola, no último ensaio para a 2ª
Guerra Mundial. Internacionalizando um inevitável confronto da direita,
representada no canto do ringue pelo nazifascismo acumpliciado à monarquia e
clericalismo espanhol - vulgo, TFP, tradição, família e propriedade. Com a
esquerda, representada por diversos socialismos em brigadas internacionais
formadas por operários e intelectuais de 53 países, 40 mil voluntários no
intento de construir um novo ideário socialista.
Uma verdadeira cruzada que
reuniu os comunistas do mundo inteiro apoiados pela União Soviética com
armas e munições. Ao se alinhar com os franquistas e seu Generalíssimo,
Hitler os transformou em cobaia, quando testou seus aviões Junker e
Heinkel em bombardeios a Madri e Guernica - primeiro ataque aéreo da
história a alvo civil, mesmo considerando os bascos guerreiros, um povo
eternamente em pé-de-guerra.
Ao pretender organizar a guerra da
esquerda ordenando ao Partido Comunista espanhol que suprimisse as
milícias de cidadãos armados e as integrasse a um exército regular,
Stalin acabou com a graça da guerra para anarquistas e trotskistas.
Mulheres tiveram que ir para a cozinha e cuidar dos feridos, homens
vestir uniformes. O que provocou mais um cisma numa esquerda que ainda
não atingira a maioridade, entre o realismo socialista stalinista
pró-republicano e o incurável romantismo anarco pró-revolução
permanente, falecido nos trens estreitamente vigiados coalhados de
judeus. Acelerando uma das maiores derrotas que a esquerda já sofreu.
Em vista de os expurgos já representarem
pesadas baixas nos principais postos de comando soviético, Stalin
resolveu suspender o suporte militar dado aos republicanos sem qualquer
aviso prévio. Aos poucos, sem que se apercebessem, para não causar
maiores traumas. O recado já havia sido passado por Hitler, e de bom
tamanho, urge proteger o patrimônio comunista do rolo compressor
nazista.
Muito embora, os democratas identificados
com os ideais americanos e ingleses habitualmente colassem a ideologia
do nazismo no comunismo. Ao Hitler dissolver os partidos políticos,
criar a Gestapo e campos de concentração, eliminar seus opositores na
famosa “Noite dos Longos Punhais”, inclusive os de seu Partido
Nacional-Socialismo. No entanto, sua doutrina tinha muito mais de
nacionalismo que socialismo, em favor dos trabalhadores em pleno emprego
numa economia reabilitada às custas do armamento e pesquisas científicas
voltadas para a produção bélica e iminente eclosão de guerras.
Ao Hitler preconizar o fim da burguesia,
se referia a salvar a Alemanha do capitalismo internacional, com o
confisco de propriedades estrangeiras e fim das cobranças exorbitantes
de juros por judeus sem nação constituída, cuja pátria repousava no
controle do sistema financeiro internacional. A raça alemã, o povo
alemão, a síntese da hegemonia do sentimento nacionalista exaltado,
livre de qualquer influência estrangeira, era a única classe que deveria
existir.
Stalin conhecia bem essa lição, de cor e
salteado. Em 1939, enfrentou sua prova mais difícil, a hora e a vez de
passar pelo buraco da agulha ao assinar um pacto de não-agressão
(Ribbentrop-Molotov) com a Alemanha. Hitler sabia que iria à guerra com
a Inglaterra e França e não queria repetir o erro de 1914, quando os
alemães lutaram em duas frentes. O acordo visava, pois, a neutralizar o
Exército Vermelho. Em contrapartida, Stalin precisava reorganizar suas
Forças Armadas e completar a transferência do parque industrial
soviético para a parte asiática do país, a fim de manter sua capacidade
ofensiva, na eventualidade de uma invasão.
A conseqüência foi a partilha da Polônia
entre alemães e soviéticos. A Alemanha partiu para recuperar o chamado
Corredor Polonês, estreita faixa de território que dava acesso ao atual
porto de Gdansk, perdido em função da derrota na 1ª Guerra Mundial pelo
Tratado de Versalhes. Com um peteleco, a Polônia é ocupada em três
semanas. A fim de resguardar a costa báltica, a União Soviética anexou a
Lituânia, Letônia e Estônia, levando quatro meses para ocupar a
Finlândia, com elevadas baixas e danos em seus tanques provocados por
coquetéis Molotov, criados especialmente para o evento.
Em menos de dois anos, a História se
repete duas vezes. Na primeira, Hitler é assaltado por Brutus que
esfaqueia pelas costas César, o czar Stalin - se voltou contra seu
aliado e invadiu a Rússia. Na segunda, o General Inverno se encarrega de
soterrar o inimigo, mais uma vez. O realismo socialista não conjuga com
fábulas, prefere a versão mitológica do triunfo em conseguir contê-los
graças à industrialização rápida e aos planos qüinqüenais, que
permitiram um crescimento econômico e tecnológico que superaram a mais
eficiente máquina militar da Europa.
O cerco de Leningrado durou 900 dias - de
1941 a 1944 -, sob ininterruptos bombardeios, que a isolou do resto da
Rússia e a transformou num monte de escombros, debaixo de vociferações
hitleristas de fazê-la sumir da face da Terra. O pobre diabo não sabia
que os tesouros artísticos do Hermitage, palácios e igrejas, bem como
maquinários e equipamentos industriais, tinham sido evacuados na direção
leste, sabe Deus em que cova. Morreram a bala mais de 660 mil pessoas,
ou por disputa de cartões de racionamento ou por um pão francês
vagabundo e duro, o canibalismo era uma alternativa. Encarniçada a
disputa pela posse de cada casa, fábrica e edifício em ruínas, o
território conquistado num dia era perdido no seguinte.
Terrível o custo em vidas humanas na 2ª
Guerra Mundial, os russos contribuíram com 27 milhões. Os Aliados nunca
reconheceram, na exata medida, a estóica resistência na batalha de
Stalingrado como uma epopéia, um marco na vitória contra o nazismo, a
senha para intensificar os movimentos de resistência em países ocupados.
O destino da Europa teria sido outro se não fora pelo avanço decidido e
vigoroso das tropas soviéticas através do flanco oeste. Foram os
primeiros a adentrar Berlim para explodir o símbolo da águia na cúpula
do Reichstag (Parlamento alemão), salvando a Europa mais uma vez,
anteriormente a haviam livrado da sanha dos mongóis. No passado, o
anteparo, no futuro, um aríete.
Mais uma nação que explorava a visão aguda
da águia para nortear seu rumo, o que não impediu Hitler de suicidar-se
em 30 de abril de 1945, ao não agüentar a humilhação da derrota e da
ocupação de Berlim pelos bolcheviques, conforme os chamava. O último
comunista que tumultuara Berlim havia sido ela, Rosa Luxemburgo,
assassinada em 1919 por futuros nazistas. “Uma mentira dita 100 vezes
torna-se verdade”, proclamava Goebbels, o propagandista de massa do
nazismo que ditava regras sobre o que as instituições educacionais
deveriam ensinar, no desenrolar do sonho do Reich de mil anos de Adolf
Hitler. Sacrificou seus seis filhos antes de também se suicidar.
Os Aliados poderiam ter colhido no Dia D
um fracasso rotundo. Os americanos não teriam poupado tantos soldados no
front europeu, para azar dos japoneses, a guerra prioritária depois de
Pearl Harbor. Berrante a injustiça na transcrição da página heróica dos
comunistas na história oficial, ao conferir exclusividade no patriotismo
aos soldados aliados na defesa dos valores democráticos contra o
nazifascismo, apenas porque o comunismo representava erva daninha, o
flagelo de uma epidemia no inconsciente coletivo do chamado mundo livre.
De pouco valeu a guerra de propaganda
capitalista, o resgate da pátria invadida valorizou o patriotismo
soviético na defesa do mundo comunista. Conferiram a Stalin o galardão
máximo de herói da guerra e rebatizaram Leningrado de Stalingrado. Se
era paranóico ou esquizofrênico, ou se por isso, conseguiu governar
tanto tempo ao eliminar toda e qualquer oposição que sobressaísse no
poder, pouco importa agora, ao verem a foice e o martelo tremularem no
mastro.
Nada como uma boa guerra para
alavancar uma economia à custa de mortos e inválidos, ao rearranjar a
sociedade abrindo espaço para que a geração herdeira liberte seu talento
e construa sobre a realidade em ruínas. Na iminência de se transformarem
em nazistas, os comunistas se olharam no espelho, jogaram as dissensões
e mazelas debaixo do tapete, e expulsaram mais um invasor de olho no
latifúndio siberiano. Na iminência de rasgarem em pedacinhos a honra da
pátria, se uniram em defesa de seu solo e acabaram por fortalecer mais
ainda o comunismo, misturando aos despojos de guerra as cinzas dos
expurgos.
Virada a página bolchevique. A União
Soviética era o país mais poderoso da Europa e da Ásia, posição que
Stalin se apressou em reforçar erigindo barreiras de proteção compostas
por países amigos sob o guarda-chuva comunista. Na conferência de Yalta,
Roosevelt e Churchill reconhecem tacitamente a Stalin uma “zona de
influência” nos países da Europa Oriental, deixando sob seu controle
Alemanha Oriental, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária,
Iugoslávia e Albânia.
A vulnerabilidade aos invasores estrangeiros - de Gengis-Khan a
Napoleão e Hitler - legou uma herança de extremos cuidados quase
paranóicos, deixando em segundo plano a preocupação com a dissensão e
subversão doméstica. Em período de détente, é de bom alvitre
proteger a fronteira ocidental, outrora desguarnecida, com os
países-satélites, à frente. Na retaguarda, as repúblicas do Báltico,
alinhavadas à Carélia, conquistada à Finlândia para garantir o acesso ao
Mar Branco até Murmunsk no extremo norte, o que implicou na evacuação de
400 mil finlandeses. No miolo, as repúblicas da Bielo-Rússia, Ucrânia e
Moldávia. Ergue-se a cortina de ferro, na prega costurou-se Geórgia,
Armênia e Azerbaijão.
Toda cautela é pouca, afinal,
lituanos, estonianos e letões saudaram com flores a passagem da armada
hitlerista a caminho de Leningrado, numa paródia a Jesus Cristo aclamado
no Domingo de Ramos, um dos equívocos mais grosseiros cometido por
países nanicos à sombra de potências na escolha de seu libertador.
Búlgaros, romenos e húngaros fizeram das suas, servindo de bucha de
canhão marcharam contra os russos. Nada mais natural o troco, em se
tratando de uma guerra que pretendeu fatiar a União Soviética.
De 1947 a 1950, é dada a partida na Guerra Fria, com Stalin
patrocinando a difusão das glórias do socialismo e estendendo sua área
de influência até a China, que se tornara comunista. Iniciou uma
política de culto à sua personalidade, através de maciça propaganda, sob
os auspícios de som e luz da explosão da primeira bomba atômica.
Permanentemente ao seu lado, Beria tornou-se o alter ego do seu chefe.
Beria não fazia parte da geração de revolucionários que lutou
contra o czar. Mas era georgiano como Stalin e, na condição de líder do
Partido na Geórgia, conquistou sua confiança. Na chefia da NKVD desde
1938, Beria tornou-se responsável pelos serviços de espionagem e
contra-espionagem, bem como pela segurança interna, o que significou a
tortura e execução dos "inimigos do povo" antes e durante a 2ª Guerra.
Também comandou os gulag, supervisionou a transferência do parque
industrial, à medida que os alemães avançavam, e controlou o projeto
soviético da bomba atômica. Esta simbiose teve fim com a morte de Stalin
em 1953, quando foi executado ao almejar ocupar o trono.
Stalin foi um divisor de águas. O responsável pela
transformação de um país superatrasado em uma superpotência nuclear.
Apesar da violência institucionalizada que o classificam como o
Gengis-Khan do século XX. Se descontarmos o desmoronamento do czarismo,
a 1ª Guerra Mundial, a entrada do comunismo em cena, o conflito entre
vermelhos e brancos, o desmantelamento da economia diante da nova ordem
econômico-social, em pouco menos de 30 anos, o socialismo fez da União
Soviética uma das maiores forças econômicas e militares do planeta. Um
período marcado por uma grande centralização de poder nas mãos de
Stalin, que elevou o nível cultural e técnico, bem como promoveu
reformas que melhoraram em muito as condições de vida da maioria da
população soviética - a despeito de tê-los marcado a ferro e fogo
através da poderosa burocracia da administração pública controlada pelo
Partido Comunista.
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