BOLSA-DITADURA
14 de Abril de 2008
A Bolsa-Ditadura (cognominação de Elio
Gaspari) foi instituída para compensar quem foi mandado embora de seus
empregos ou impedidos de exercer sua profissão pela ditadura militar,
quando não perseguido, preso, torturado, estuprado, assassinado,
desaparecido, enterrado em local desconhecido de sua família, ou banido
do país. Os mais inteligentes ou espertos souberam fazer humor e até
faturaram com o estúpido regime, quando não enriqueceram e se tornaram
famosos.
A vitimologia, palavra cunhada pelo jurista
israelense Benjamim Mendelsohn em 1956, lança uma luz na reversão dos
efeitos psicológicos de bofetadas, “telefones” e choques elétricos, além
de ver amigos e seres humanos seviciados à sua frente, com o corpo
estropiado e espírito danificado. Transformaram em produção intelectual,
artística, tecnológica, quando não uma atuação em prol da sociedade e de
comunidades carentes, culminando por calar a boca de seus algozes, que
tiveram de meter a viola no saco e se contentar em receber seus soldos,
acrescidos de promoções pelos serviços prestados, seguidos
da aposentadoria e transmissão de seu status após a morte para
esposa e filhas. Como se nada tivesse acontecido.
Garantidos pela anistia, ambos os lados da
refrega política não podem se processar mutuamente em nome de
arbitrariedades, baixas infligidas e bombas explodidas que deceparam
braços e genitálias. Mas a Bolsa-Ditadura existe para que sirva de lição
a quem se arvore em práticas que atentem contra a democracia e a
liberdade de ir-e-vir no pensamento para exprimir o que o povo ainda não
está preparado para ouvir - do ponto de vista do padre-nosso do censor.
Ditadura, nunca mais!
E só sendo de valor pecuniário para doer no
bolso da Viúva, órfã de ditadores,
e ficar indelevelmente gravado no jazigo de ditaduras. Para lembrar aos
que usurpam o poder que, no transcurso da História, tem o dia da caça e
do caçador, segundo Chico Buarque. A ascensão e queda do Reich de que
diabo for.
E anistia, para valer, não pode sair de
graça. São reparações de guerra fratricida. Mesmo que seja em prestações
mensais até a hora da morte. Somos um país fadado a enterrar e esquecer
o passado, não porque sejamos cristãos e perdoemos, e sim pela tendência
ao arreglo e conciliação para não se apurar a verdade dos fatos e os
prejuízos serem compartilhados. Ao menos, os carrascos não cospem mais
fogo e o retorno à vida civil nos
permitiu voltar ao ponto de origem e a
seu lugar-comum: a injustiça e o destempero.
Indenizações descompassadas com a realidade
brasileira foram pagas a jornalistas bem-sucedidos. O presidente Lula
não abriu mão de sua pensão por ter passado 21 dias na prisão. Em
contraste com facínoras que invadiram redações de jornais depois do
golpe de 1964 e disseram o que publicar enquanto os donos faziam
continência. No lugar de muitos que agora protestam contra fixar preço
num ideal e tirar proveito da ideologia, e terem aplaudido
entusiasticamente a Redentora, vivido em paz nos anos de chumbo e até se
beneficiado do regime militar.
Destampou-se a panela de pressão e se pode
falar à vontade. A liberdade de
imprensa permite comentários ensandecidos e sandices, se nivela por
baixo a internet, a censura se foi, e o elogio à virtude dos que não
pleitearam a Bolsa-Ditadura, por pensar primeiro no Brasil, mereceu a
costumeira falta de reconhecimento.