FILHINHOS DA MAMÃE
03 de Fevereiro de 2003
Apresentar à mãe a mulher que arrebatou
seu coração é um claro manifesto de compromisso, de interesse naquela que
deseja ser sua, somente sua, a ponto de confundir os papéis do casório com a
entrada na posse do amor querido. Quem infringir tal mandamento será
condenado à morte por desígnio. Ou a tolinha que brincar com tamanho
perjúrio será considerada adúltera e apedrejada em devaneios.
Não passa pela cabeça de uma pessoa que tenha um
mínimo de auto-estima, que marmanjos procurem a casa de suas mães, a
pretexto de terem se separado, para fugirem do relento que o mercado do
amor nos lança quando voltamos a ficar sozinhos. Invocar a crise, o
desemprego e a inadaptação ao ofício que se entregou, não serve de
paliativo para se entregar, de novo, aos cuidados da mãe que goza de boa
saúde. Mesmo que seja por um período de transição - neologismo que
define o rebuliço provocado para acomodar um presidente operário.
Imagine quando o solitário filho descola uma
gata e adentra no apartamento da mãe, compartilhando suas escolhas
sexuais com o senso crítico materno, que, como é do inteiro conhecimento
de todos, sujeito a chuvas e trovoadas. Tanto pode rotular a gata como
piranha até não compreender como uma moça tão boa e ingênua vai se meter
no quarto de seu filho doidivanas.
E o que não dizer dos discretos que fogem ao
confronto e apelam para o motel, a essência do lar bandido onde o pecado
será sufocado no redondo dos leitos ao capricho dos espelhos que
retratam o nirvana do amor, mantido oculto e despersonalizado pela
instituição que presta relevantes serviços na manutenção do equilíbrio
sexual.
Não há como salvaguardar na imagem de pureza que
se aplica à mãe um mínimo de cumplicidade, ao acobertar seus erros
passados na criação, a querer corrigi-los no presente repetindo a dose,
agora mais lúcida, serena e pronta para se entregar e dedicar a esse
filho querido. Filho pródigo da mãe, de tão agarrados, Freud acabará por
levantar-se da tumba e querer participar do ágape com a autoridade de
quem fez a primeira denúncia sobre a orgia mental de que mães e filhos
desfrutam, sem a menor cerimônia.
Mães cujo buraco afetivo por ser preenchido
abrem as asas como a senhora liberdade e abraçam seus filhos, numa
indução flagrante ao crime de sair fora de relacionamentos sem dar a
mínima satisfação, uma tônica no universo dos homens, que cultivam a
fantasia de abraçar com as pernas o mais infinito e inalcançável dos
sonhos sexuais, enquanto as mulheres querem fazer amor aqui na Terra,
para aí sim alcançar o Céu.
São homens que não querem crescer, se escondem
atrás da saia da mãe, alegam que ela carece de sua presença, máscula ou
não. Um inestimável álibi para prosseguirem Peter Pan a encarnar
playboys em boates na busca de um tempo perdido, excêntricos seres que
se dispersam nas manias e esquisitices geradas quando inalam o fumegar
da comida pronta preparada pelo coração de mãe. Coração responsável pelo
surto de alergias geometricamente crescente no final do século XX, em
resposta aos maus tratos à Mãe Natureza, com a qual se solidariza e
irmana.
Quer coisa pior ter uma mãe como referência de
perfeição, um horizonte inalcançável, a travar o seu mergulho numa
sucessão interminável de erros que o humanizaria e o poria pari passu
com a mulher? Livrando-o da carga de subir ao pedestal e defender o
pódio. Ou descer à condição de ridículo de pagar pelo aperfeiçoamento da
estética de cabo a rabo de sua esposa, para o pançudo se orgulhar de ser
o senhor daquelas terras e de haver dispensado o bordel como válvula de
escape, fulcro das fantasias sexuais.
Mercantilizando, popularizando, dando
visibilidade a seus desejos em sua coisificada esposa, mediante o
sórdido pretexto de elevar a auto-estima desses pobres filhinhos da
mamãe. Relações do gênero dispensam até filhos, que só atrapalhariam o
culto, um ato falho de herança maldita. Para que mais filhinhos da
mamãe?