O PRESTADOR DE SERVIÇOS
17 de Fevereiro de 2003
Parece anúncio de jornal. Mulher com
vocação pra amor bandido necessita de uma boa alma para livrá-la do
vício pelo mau caráter.
Aquela mulher jamais procuraria, em condições
normais de temperatura e pressão, um sujeito careta. Ela era linda e
drogada, mas a caminho da recuperação, o que equivale a dizer, uma xiita
no caminho do bem. O que facilitou encontrar um pau pra toda obra,
pessoa correta e inexpressiva, desinteressante mas bom amigo, que
mantinha oculto o pior segredo dentre os homens: incapaz de despertar
amor numa mulher quanto mais uma fugaz paixão, sequer a luxúria.
Somente prestando serviços atrairia aquela
mulher que, àquela altura, já tinha entregue os pontos, desistira de
encontrar felicidade no amor.
E assim se acumpliciaram. Nesta modalidade
incatalogável de relacionamento. Cada um amparando ao outro para que não
ruíssem. Com uma visível diferença, ele amando aquela condessa descalça
de crenças e projetos na medida que prestava mais e mais serviços à
causa dela.
Enquanto ela ia começando a nutrir-se de uma
outra dependência, magnificamente bem explorada por ele ao se
disponibilizar para o pronto atendimento às demandas familiares,
especialmente as esquizóides que se insinuam no nosso dia-a-dia sem que
as notemos.
Crescia a olhos vistos o seu embevecimento a
cada serviço prestado, a ponto de misturar as mães na ceia de Natal, um
sinal claro de compromisso que suavizaria as restrições da sogra:
“Minha filha, case-se com esse homem. Ele pode
não ser nada daquilo com que sonhava, mas ele só quer o seu bem, atento
aos mínimos detalhes, disposto a cuidar de você, esse é um bom caráter".
Só faltou dizer que era trabalhador, mas não
vinha ao caso.
Com que prazer admirava sua classe e elegância
realçando ambientes que a transpunham de uma mera pessoa física para um
empreendimento empresarial! A seu lado, ele elevava sua auto-estima e se
cobria de orgulho, o amor é tão lindo quando a musa canta e anuncia que
orgasmos estão ao alcance de qualquer vaidade.
Com que satisfação se anulava e colocava-se à
disposição para ouvir suas intempéries e entrechoques no contexto de uma
família que um não tinha nada a ver com outro, unidades de uma célula
que não somavam, ao contrário, estranhos postos no mesmo ninho. E o
prestador de serviços de ouvidor-geral, com os braços cruzados, ao invés
de investigar o âmago de laços tão esquizofrênicos.
Para quem anda a passos de cágado no rumo da
hibernação, distanciando-se dos primaveris anos, não surpreende vê-lo
escoar o tempo e se deixar gastar na inutilidade de ações supostamente
filantrópicas. Que esperar de um sujeito que fila jornal de assinatura
da porta do vizinho para se manter atualizado a custo zero?
O prestador é uma central de atendimento e
tarefeiro, por excelência. Localiza endereços, a melhor rota no
trânsito, indica médicos, especialistas e instrutores de toda ordem, a
receita culinária dos sonhos, o barato dos preços, o produto de acordo
com o consumidor, onde encontrar a pessoa certa no lugar adequado, na
conveniência de seu tamanho, até chegar no ícone: tudo o que deseja
saber sobre carros.
Não seria absurdo afirmar que o prestador de
serviços goza do ócio da assexualidade. Já transcendeu a necessidade da
penetração, a masturbação como recurso não mais funciona, esfumaçado o
fascínio, e a abordagem perdeu o caráter agressivo da conquista.
Renunciou aos votos de ser másculo e preferiu a clandestinidade do
anódino, neutro e sensabor.
Finge que interage com a vida, mas absolutamente
se interessa em se atender. Atender, somente a ela, representa o seu
céu, a liberdade que se permite desfrutar. O tiro de canhão só ela pode
disparar. No máximo, é um soldado a prestar continência a um comando que
reverta a mesmice de sua existência a um tintim de reveillon, ao fragor
de festas, de bandas que clonam o som de outrora, de DJ’s que se
transformaram em gurus da materialização de seus sonhos, mesmo que isso
não seja verdade, pois sonhos representam desejos do que absolutamente
você precisa para viver feliz, muito feliz.
O prestador de serviços necessita que o
socorram, de uma mão que o impeça de afogar-se na amargura, ao perder o
prumo descobriu-se filho de Deus. Merece outra chance, nem que implique
em passar a borracha no legado do homem.