ORGIA NA CABEÇA
24 de Fevereiro de 2003
São inúmeras as possibilidades do homem
que é homem balançar a roseira no carnaval, nostálgico de um tempo em
que bacanais e calígulas desbancavam o bobão do Rei Momo que só quer
saber de comandar os festejos de forma ingênua e pueril. Pura fantasia,
idéia fixa na orgia que preenche o imaginário coletivo dos homens os 365
dias do ano.
O que o faz refletir, não sem uma certa
angústia, e a cantar “com quem será, com quem será” que ele irá ficar
nesse carnaval. Parte do eterno princípio calcado no erro de Adão,
começar só, somente só. Partir para o combate corpo-a-corpo e conquistar
o escalpo do inimigo, à mercê de sua fúria sexual que prova por a + b as
Frenéticas: “sei que eu sou bonito e gostoso e sei que você me olha e me
quer".
Mas nada lhe agrada. Pega dali, apalpa daqui e
encosta no travesti que o atrai e assusta. Foge que nem o diabo da cruz
e se acomoda no abraço da mocréia, sempre atenta aos desencontros
amorosos para colher as sobras. As tribufu sentem asco pelas mal-amadas,
elas não são capazes de dar um passo em falso, guiadas pela soberba, e o
carnaval, com o “Abre-alas” de Chiquinha Gonzaga, foi feito para deixar
o rei nu, deixar cair a fantasia, por sobre os olhos.
Conversa dali, beija daqui, mas nenhum rosto
suado lhe satisfaz. De que adianta o peito e a bunda falarem mais alto,
se para chegar naquele roçado vai ter de apostar suas fichas num
carteado sem fim, quando prefere o jogo de cartas marcadas. Como as
mulheres o obrigam a jogar o ano inteiro para se aproximarem e beberem
da água de sua fonte, no carnaval eles querem descansar e se sentirem
como os reis da folia.
“Não é mole não”, todos cantam em uníssono. Por
que, ó Deus, o desejo puro e liberto não alcança o inacessível? O
carnaval existe para soltar a franga, deixar a peteca cair, curtir um
amasso, fazer o que nunca teve coragem de fazer, deixar para ontem o que
pode fazer hoje, já ter história pra contar pros seus netinhos, afinal
de contas, cachaça é água, me cutuca que eu te cutuco, ziriguidum,
nheco-nheco, vaaai paa-ssar, agora sim, eu vou me acabar e as águas vão
rolar!
Cidade maravilhosa, cheia de encantos mil, tocou
o sinal de alarme, acabou a hora de um recreio tão feliz. É hora de
apelar, de descer do pedestal e cair na realidade. Não se trata de não
querer ficar sozinho, finito o carnaval, os sonhos não podem cair no
vazio, assim o exige a Quarta-feira de Cinzas! Você tem a mania de
deixar tudo pra cima da hora, lembre-se que seus amigos irão lhe cobrar,
se não descolou uma gata de encher os olhos e fazê-los crer que não é um
cafajeste a esconder esse bandido coração.
Não lhe saem da cabeça as advertências de sua
mãe e namoradas-pentelho para abandonar a galinhagem, cair de boca no
mulherio, banir a prática de afogar o ganso, de ter uma reação em cadeia
a cada mulher que o excita. De ser a cigarra e não a formiga, de viver
em função do belo, presa fácil da sedução, de mudar o rumo com
facilidade, de o banal tomar o lugar do vital, de prontidão para batidas
em busca de almas perdidas, a eleger o corpo como a mente sã. Isso não
leva a nada, meu filho!
O melhor a fazer é rasgar a fantasia e vestir o
perfil de paletó e gravata a agradar caretas que não se encaixam na
realidade da fantasia. São muitas para brigar e derrotar, não há ainda
outra escapatória, a hipocrisia reina absoluta a despeito de tabus virem
caindo que nem folhas de outono. Ou bem se vive a fantasia, a
permissividade atual avaliza, ou, de mãos dadas com sua cara-metade,
brinca o Carnaval e assiste os outros a sair atrás da fantasia.
O fato é que houve época, em civilizações
distantes, que se masturbava menos. Para que consolo se a Natureza era
pródiga em amor e abundante na colheita? Menos civilizado, é certo,
voltado para o cio e reprodução, mas, convenhamos, o carnaval, de fio a
pavio, mudou que nem a mulher. Para o homem, nem tanto, que segue
cantando:
“Vou deixar-te agora, não me leve a mal, hoje é
Carnaval!"