OJERIZA A COMPROMISSOS
24 de Março de 2003
O que está a confundir a cabeça do homem é
que a concepção sobre a esposa ser um lugar seguro e confortável para
viver, comer e ter a roupa lavada e bem passada, uma mistura de mãe e
empregada doméstica, transfigurou-se na companheira, fiel amiga e
camarada, depois que o sexo, como a tempestade, atinge a bonança.
Companheiro é um jargão marxista que sepulta a antiga idéia de que
mulher não pode ser amiga de homem, quando ambos estavam próximos, tinha
caroço no angu.
Generalizando, ele reagiu aos novos tempos: a
aventura passageira não interfere no relacionamento a sério e estimula o
homem a retardar o compromisso. Inadmissível, em contrapartida, as
mulheres se calarem a mais esse pulo da cerca e ignorarem Anaxágoras da
velha Grécia: “se me enganas uma vez, a culpa é tua. Se me enganas duas
vezes, a culpa é minha".
Arte por arte, o macho prefere Shakespeare, em
cometer o erro que o diverte ao invés do acerto que o entristece, foi só
atração física e nada mais. Apenas não digere bem quando ela rompe com
os neuróticos laços de ternura e deita-se na cama de outrem, aí, que se
enrole a lona do circo e vá fazer amor em outra freguesia.
Uma variante na ojeriza ao compromisso é o
morde-e-assopra, não assume o relacionamento e tampouco deixa de rondar
a vítima, a ponto de utilizar sua sogra para resgatar sua noivinha
querida, desejando Feliz Natal, convencendo-a de que é um bom moço,
sujeito decente e caráter raro.
Tudo depende do que existe no coração, verseja
Victor Hugo, “o olho do homem é feito de modo que lhe vê por ele a
virtude, a nossa pupila diz que quantidade de homens há dentro de nós,
afirmamo-nos pela luz que fica debaixo da sobrancelha, as pequenas
consciências piscam o olho, as grandes lançam raios, se há nada que
brilhe debaixo da pálpebra, é que nada há que pense no cérebro, é que
nada há que ame no coração”. Pelo exame da retina, o homem percebe-se
vasculhado na veracidade do amor, assim não vale a pena continuar e toma
temência do casamento. Inicia-se a fobia.
Eterno pesa na consciência, daí vulgarizarem
soprando no ouvido de todas “eu te amo”, porquanto emprenhar o ouvido
não engravida. Além de produzir uma categoria de orgasmo sensivelmente
superior ao localizado no ponto G, tão-somente por ser intangível e
arrancar a imaginação do rés da cama, levando vantagem sobre os sonhos,
ao superar o orgasmo da Idade da Pedra, temperado a gritos e sussurros,
gemidos que não encerram dor nem queixas, a prova viva de que o prazer é
travesti.
Não adianta protelar, vão se defrontar cada vez
mais com mulheres resolutas, convencidas de seu processo irreversível de
jamais tornar à cadeira de balanço de suas avós e bisavós, porquanto
fundamental a independência financeira e poder político. É uma causa
mais nobre do que estar presente no lar, em horário integral, depender
de homens e correr o risco de serem do contra quanto a siliconagem,
engrossamento dos lábios, lipoescultura do culote, enfim, decidir seu
próprio destino e se dar ao direito de vacilar no quesito maternidade.
As mulheres avançam na força de trabalho nos
setores de informação e de serviços, mas nas hierarquias
tradicionalmente masculinas, como na política, economia e guerra, têm
que lutar incansavelmente para subir, por vezes se comportando de modo
incisivo e austero, ao feitio masculino, para abrir portas. Pouco a
pouco, os lares vão prescindindo da figura do chefe de família em meio à
avalanche de abandono do posto, por absoluta incompetência em
administrar o relacionamento em equipe. Uma nulidade na colaboração e na
interdependência, de prever o que está por vir e agir, de não se
esconder por trás de palavras lançadas ao vento e atitudes ao léu.
Eles não seriam ingênuos, no pior sentido da
palavra, em confessar delitos do gênero “destrói cada mulher com quem se
casa”. Por dentro, remoem de ódio, mas não acusam a sucessão de golpes
sofridos, esse o traço mais significantemente canalha do caráter de
qualquer homem. Apenas admitem essa enxurrada de mazelas quando atingem
o estágio previsto por Antonio Carlos Jobim em “Águas de Março”, é pau,
é pedra, é o fim do caminho.
Tão-somente quando vem uma chuva e derruba seu
barraco, é que descobrem que moram em área de risco. Sob coerção,
reconstroem seu lar, o útero em que foram criados.