FASCÍNIO PELA PUTA
19 de Maio de 2003
Um grupo de homens pertencentes à fina
flor da burguesia, com idade variando de 25 a 35 anos, se reuniu
para discutir num período fixado em dois anos sobre que rumo tomar
diante da mulher que não pára de crescer, igual a fermento em bolo.
Coordenado por um terapeuta, a pajelança não definiu se era um
conclave de cardeais, grupo de psicanálise ou simpósio de seres
preocupados com os caminhos por assumir. Tolinhos, assim pensou o
único gay que logo desapareceu, demonstrando uma percepção mais
afiada que a dos heteros, visto que não se cogitou de
homossexualismo ao longo dos debates, para passar a limpo a
insistência em associar homens a super-heróis, no resgate de
fantasias que ponham o seu reino aos pés da amada.
Contudo, o que monopolizou as atenções foi a
atitude agressiva e decidida da mulher que coloca em xeque a posição
do homem e o remete a um labirinto simbólico, onde procura uma saída
para recuperar a ascendência dos bons tempos. Diga-se de passagem,
labirinto visto da ponte, já que a maioria não se encorajou em
percorrer os meandros de seus respectivos relacionamentos, exceção
feita a uns gatos pingados sem força moral, pouco aquecidos,
desenergizados, mas que demonstravam uma sensibilidade à flor da
pele que comovia até a raiz dos cabelos com a sua sinceridade.
A maior parte do grupo acreditava piamente no
lema, “quem sabe faz, quem não sabe ensina”, daí a recorrência
desabusada à prostituição e a infidelidades, enfiando tudo no mesmo
saco. Embutido aí, cunhadas, primas, colegas de infância e turma de
rua, companheiras, clientes, a melhor amiga da esposa, e alunas. De
empregadas e paquera de rua não se deram nem ao trabalho de
mencionar. Ligações perigosas ou não, desfiavam histórias com uma
riqueza de minúcias que evidenciava a visão estrábica dos homens e
reproduziam a mesmice de sempre, muito embora todo início de novela
seja atraente. No entusiasmo de suas proezas, confundiam as estações
e as equiparavam a piranhas no frigir dos ovos da excitação.
Mas o que realmente importa é o fascínio pela
profissão mais antiga do mundo. O prefeito petista de Ipatinga que o
diga, depois de desaparecer com duas prostitutas e se registrar no
hotel com nome falso. Descoberto, resolveu se licenciar sem retorno
previsto em nome de uma ética que jogou na lama.
Foi quando o terapeuta sugeriu um exercício para
se levantar as modalidades de posições sexuais conhecidas na praça.
Os participantes logo se puseram a rememorar os melhores momentos,
orgulhosos de seus decálogos e know-how; outros, sem imaginação,
valeram-se da cartilha. Suscitou tanto interesse que não se trocou
de assunto por meses. Os encontros se transformaram em laboratório,
observando onde cada braço ou perna poderia dar a sua colaboração e
facilitar o orgasmo experimentado, sob a ótica da geometria
descritiva derivada do prazer.
Eis que dá o ar de sua graça no grupo, um tipo
calado que deixa de bancar o avestruz, inspirado no
Estrangeiro de Albert Camus, fuçando qual o sentido nos
desejos do homem e o porquê de sua linha preferencial nos conduzir a
uma forma de guerra, a relações de poder desnaturadas. O estrangeiro
não queria se sentir mais um estranho, um estrangeiro para si mesmo.
Disposto a mexer com a cabeça dos homens,
elaborou uma lista digna de respeito evitando a obviedade do
kama-sutra, o que motivou reclamação quanto às regras do jogo que
deveriam impedir inovações que fugissem à seriedade do tema, afinal,
sexo não é brincadeira. Provocou inveja, em sendo o cardápio
inspirado no universo sado-masoquista, sabedor de que o Marquês de
Sade não fora ainda assimilado depois de passados 300 anos, causando
indignação em cambadas de moralistas que se intitulam modernos.
Complementou a lista arrolando o que passa pelo imaginário sexual do
homem no que diz respeito a domínio, posse e violência sugerida.
À medida que ouviam prazeres metendo os pés
pelas mãos, iam se chocando e reagindo como colegiais, inclusive o
terapeuta. O estrangeiro pegou-os pelo pé, não esperavam tal sorte
de barbaridades, o que motivou uma reação infantil: “Ué, você já fez
tudo isso com as suas mulheres?”. Propositalmente não deixou a
questão esclarecida, mesmo porque não se tratava de um inquérito.
Aquilo gerou um sentimento de raiva indiscriminado contra o
estrangeiro, disseminando uma animosidade face à extrema
competitividade que grassa entre os homens.
Pensaram em uníssono: Como é que esse
estrangeiro pode ter feito isso tudo quando nada disso passou pela
nossa cabeça?
De princípio, por educação, disfarçaram a
aversão, afinal de contas, o ambiente era de alto nível.
Posteriormente, distribuíram farpas, ao que o estrangeiro retribuiu
com uma atitude zen, sem se expor por uns bons seis meses,
horrorizado com o panorama visto da ponte. Quando, finalmente,
decidiu abrir a boca sobre o que pensa a respeito de sexualidade,
não aliviou nem recuou, os equiparou a seus velhos pais e avôs,
eméritos freqüentadores de prostíbulos.
Soou como denúncia sobre a indigência mental dos
homens. Desconsideraram completamente o teor da imputação de ações
demeritórias e desqualificaram o relator da matéria, diante da
omissão do terapeuta - significando alinhamento com a maioria. E
quiseram partir para o desforço físico com o estranho no ninho, que
não durou nem mais três semanas entre os companheiros de classe.
O estrangeiro retirou-se com o sentimento de
banido, sem clima para contestar o abuso no tempo gasto a discutir
sexo, prostituição, vocação para infidelidade, a preferência
nacional, mesmo porque se eximiriam pondo a culpa na mãe ou na
mulher. Todos se arrependeram tardiamente e pediram que o
estrangeiro reconsiderasse. Se fazer mal à mulher significa violar,
o estrangeiro fora violado pela insensibilidade desses marmanjos sem
graça nenhuma.
Podia ter aberto o jogo, dividido suas mágoas,
compartilhado as lacerações de seu coração, confessando que
procurava um irmão em seus pares. Mas vai que dá um azar de cão e se
depara com abusados com propensão a rixas, esquecidos que tiveram
berço e educação. Todo cuidado é pouco. Não eram dignos de sua
sinceridade, quem sabe se não eram frutos de uma safra que só agrada
ao paladar quando atinge a maturidade?
Deus sinaliza paciência na exploração dessa
floresta selvagem com feras, bestas e dinossauros, o terreno é
minado, já advertia Lady Di. Embora a verdade do homem sempre conter
falhas, lacunas e até contradições, enquanto funcionar bem o
suficiente para o saber ao qual se aplica, continuará sendo aceita,
se satisfeita a exigência de seu poder, mascarando os defeitos da
fabricação do homem ao longo dos séculos - saber e poder estão
intrinsecamente relacionados, adverte Foucault.
O grupo não durou muito tempo a refletir sobre
os destinos do homem. Dali foram para o pelourinho, o divã da
psicanálise, aprender o dever de casa, a título de recuperar algumas
matérias em que não se houveram bem. No banco da escola se
encontraram em sua patologia, o mais levado da turma deixou de ser
fiel a bordéis e tentou a paternidade, seu casamento estava
estremecido por falta de tesão.