A MELHOR DEFESA É O
ATAQUE
10 de Novembro de 2003
O capitão Astiz, principal torturador
argentino, se orgulhava de ser o agente melhor preparado para matar
políticos e jornalistas. Com cara de anjo e olhos azuis, conseguiu penetrar
no movimento “Madres de la Plaza de Mayo” e convencê-las de que também era
vítima da ditadura. Explorava com maestria o lado maternal das mulheres, ao
inspirar necessidade de proteção e carinho, para depois se revelar um
demônio. Deu sumiço nas cabeças da organização e assassinou jovens da
Suécia, França e Itália, que já pediram sua extradição. Desapareceu com
monjas francesas que cuidavam, dentre outros, do filho problemático do
ditador Videla.
Cognominado de Anjo Louro, o símbolo da ditadura argentina as
encaminhava para um centro de tortura e endereço de uma maternidade
clandestina para as presas políticas grávidas. Funcionavam como
cegonhas que retiravam seus filhos, logo que nascidos, e entregavam
a domicílio a oficiais companheiros de tortura. Para que os criassem
e satisfizessem o desejo de ter um filho, face ao panorama estéril
que se descortinava no horizonte de famílias de psicopatas. O filho
lhes devolveria o senso humanitário e solidário que se esvaía em
cada choque elétrico, afogamento ou apagar o cigarro no peito.
Como todo bom matador, um exibicionista.
Ostentava o corpo malhado no balneário de Mar del Plata, apesar de
sua vida afetiva ser um livro fechado. Nunca manifestou remorso pelo
que fez. Também chamado de Corvo, o covarde se rendeu, sem dar um
tiro, na guerra das Malvinas.
Símbolo da impunidade, defendido por mestres na arte da
sobrevivência política que põem fé na conciliação de não ficar
parado no tempo e fechar as feridas do passado. É o Brasil assim
pensando que dita cátedra, nenhum presidente foi louvado em sua
história ao se mostrar um sujeito duro e intransigente.
Orgulhamo-nos de harmonizar o contraditório, de apaziguar os ânimos,
de ajustar incompatibilidades, de pôr fim a demandas nascidas do
idealismo que geram querelas incontornáveis. E findar na acomodação.
A marca registrada de vencer os nossos problemas.
A História exige julgamentos. Desenvolve o senso crítico.
Aumenta o grau de informação e expande o nível de consciência. O ato
de votar exige esse suporte, tal a inteligência aplicada pelo
exército de manipuladores com que nos bombardeiam através da
publicidade e da mídia. Os marqueteiros sempre se encontram léguas
adiante de nós.
Sobre quem recai a responsabilidade de carrascos, como o que
Astiz provocou no seio da tradicional família argentina, ao pôr sob
a guarda de verdugos filhos de desaparecidos políticos? Uma
monstruosidade a débito dos homens que dirigem os destinos desse
planeta. O mesmo perigo que corre no seio dos organismos de
segurança, sejam policiais, forças armadas, tropas de elite,
espiões, agentes infiltrados ou informantes. Quem pode assegurar que
não sejam psicopatas, não detectáveis na admissão, ao confundirem
bem com o mal, bem-me-quer com malmequer, lé com cré, conseqüência
de uma escala de valores em crise na sociedade global, cuja ética
clama por um Deus.
Mas se Deus permite, em função do livre-arbítrio, cabe ao homem
corrigir essa enfermidade, antes que seja tarde. Senão, nos
converteremos num planeta de terroristas, visto que a melhor defesa
é o ataque.