OS ACADÊMICOS
01 de Dezembro de 2003
Originalmente, acadêmico era considerado
filósofo da escola de Platão. Posteriormente, foram surgindo outros
eminentes sábios que criaram liceus que ascenderam a estabelecimentos de
nível superior, estimulando professores e alunos a aspirarem a um dia serem
acadêmicos. O que obrigou a elite erudita dirigente a criar as Academias:
Letras, Belas-Artes, Medicina, e por aí vai. Iniciando-se uma briga de foice
para se tornar membro de uma reputada academia. Ao se institucionalizar as
Academias, como é de praxe, estabeleceram princípios para que se
circunscrevessem dentro das normas para não ferir a boa ética, resultando
numa academia ao gosto dos acadêmicos. Dentro do puro academicismo. Seguindo
rigorosamente os modelos consagrados pela tradição, convencionalmente
infensos a inovações. Primando pela falta de originalidade, que compromete a
sinceridade de propósitos, à medida que a hipocrisia ganha corpo para manter
privilégios. Ao se preocuparem mais com a forma do que com o conteúdo,
tornaram-se pretensiosos.
Os acadêmicos gostam de ditar regras. Se forem mestres, então,
ficam à vontade: determinam o vocabulário, o tom e até o modo de
pensar dos seus pupilos. Adoram citações em latim, jogos
gramaticais, pompa e circunstância. Quanto mais ininteligível,
melhor. Assim eles podem mostrar sua inteligência que só o seu
próprio clubinho compreende. É preciso ler os autores certos. De
preferência, todos estrangeiros. Uma palavra do jargão popularesco
indevidamente encaixada pode invalidar toda a argumentação do aluno.
Embora um verdadeiro dinossauro, o acadêmico se considera vanguarda.
Ainda que sua mente retrógrada não entenda o que significa isso.
Acadêmicos, embora o nome esteja associado aos
imortais, vão muito além de qualquer instituição que os abrigue.
Eles são sua própria instituição, já que se consideram muito mais
importantes em sua individualidade do que qualquer instituição. O
Olimpo é o seu lugar.
Se forem ph.D, reconhecemo-los pelos títulos de suas teses:
Interpretação da Natureza Morta à Luz da Psicanálise, Identidade do
Quinto Sexo - Um Mergulho nas Origens, Quarta Idade - Incursões pela
Futurologia, Papa Negro: Advento do Sincretismo Religioso e o Fim do
Celibatarismo, Pontos de Tangência entre Pedofilia e Incesto,
Dalai-Lama na Casa Branca: Solução para a Complexização da Violência
nos Estados Unidos.
Vaidosos, precisam de seguidores, de uma corte. Competitivos,
não suportam o sucesso dos outros. Atuam pela verborragia. Se o
interlocutor não procurar abordar assuntos de seu domínio, fecham-se
em copas e tornam-se chatos.
Embora seja do conhecimento geral que a verdade do homem sempre
contém falhas, lacunas e até contradições, basta que ela funcione
bem o suficiente para que os acadêmicos satisfaçam a exigência do
seu querer poder. Foucault já nos havia advertido sobre a relação
íntima entre saber e poder. Apenas não previu que o íntimo pode
descambar para o promíscuo, em virtude da libertação da sexualidade
passar a reger boa parte de nossas atitudes.
Quando sentem que irão ser suplantados, os acadêmicos se
distanciam. De tanto lutarem pelo poder que advém do saber, se
desgovernam emaranhados em baboseiras, o ego exacerbado pelo orgulho
entra em espiral, nada mais faz sentido para eles, e caminham em
direção ao rio até chegar ao fundo - desaparecendo de cena, como
Virginia Woolf.
Temem a depressão que o rodamoinho de suas idéias provoca e
procuram fugir, que nem o diabo da cruz, do pessimismo resultante de
não encontrarem uma solução para o mundo. A sensação de impotência
incomoda, prenuncia a fraqueza de espírito e dores na coluna,
alergias e enxaquecas se acercam. O melhor a se fazer é transitar da
mente para o corpo. Tanto que se ampliou o significado de academia
para estação do corpo. Sob o disfarce de estar zelando pela saúde
física, até preventivamente, academia acabou se transformando no
culto ao corpo. A uma estética imediatista em resposta à frustração
intelectual.
De tanto darem voltas em torno de si mesmos, se descobriram nas
escolas de samba de igual modo quando o Brasil foi achado pelos
portugueses. No rodar das baianas, a raiz do samba transformou as
escolas em academias, onde a realeza da cultura africana se
sobressaía e ditava cátedra, dizendo no gogó o que nenhum livro
jamais escreveu. E iniciaram a pesquisar, elaborar teses, interferir
nos enredos e julgar desfiles. Incorrigíveis, esses acadêmicos.