HOMOFOBIA
12 de Janeiro de 2004
O meio do futebol é o campo mais fértil
para o homem demonstrar sua aversão ao homossexualismo. Para honrar
a camisa de um clube, tem que provar, aliado ao talento, que é
homem, é macho, não pipoca, entra duro, não amarela, que riscou do
baralho o maricas, o traíra, e o bajulador. No máximo, colocar a mãe
no pedestal e beijar o santinho, futebol é coisa pra homem. O
drible, a ginga de corpo e o sapatear de raiva não associam a balé.
A mulher é que tem de se enquadrar à vida nômade do craque, cabe a
ele apenas não tirar aliança nem para lavar as mãos. Ela deve fazer
vista grossa, não exercer marcação severa e deixar o tempo passar.
Quando se separar, não aflorar uma sensualidade que o recato do
casamento encobria. Acima de tudo, o importante é suplantar as
deficiências de origem e suprir as carências de seu percurso, de
forma a alcançar uma respeitabilidade e prestígio jamais sonhados na
infância.
E fazer jus ao palavrão de homofóbico.
Por que não há espaço para os gays dentro das
quatro linhas no futebol? Será que existe o receio de um surto
epidêmico de pedofilia? A exceção aos árbitros se deve ao fato de
serem depositários da catarse da ira do torcedor face a derrotas?
Uma válvula de escape? O esporte não convida a manifestações que se
encaixem como frescuras, quando abandona seu time nas derrotas e
bandeia-se para paradas mais seguras. O ambiente é cruel, circulam
pencas de maldades, cada cacho obscurece o talento dos jogadores.
Fora das quatro linhas, porque dentro, o prazer da gandaia
realça o brilhantismo de seu futebol. Atiçando a má-vontade crônica
de cronistas esportivos, irrealizados em seus casamentos, trajados
de pijamas, enquanto os jogadores põem a madrugada de joelhos para
nela encaixarem seus gols.
Porém, na medida em que os jogadores de futebol viraram
midiáticos, celebridades que desempenham um papel em cena, dentro e
fora das quatro linhas, com fartas somas de dinheiro investidas
neles, gol e sexualidade estão intimamente associados. O orgasmo do
gol e do sexo atingem a mesma escala Richter, a orgia das posições
sexuais encontra paralelo nos esquemas táticos do futebol, basta
dizer que se pode abrir as pernas para resultar no gol. A lista é
longa, “eu vou encher a boca do balão”, quando se quer golear; “vou
cair de boca”, quando é grande a pressão sobre o time contrário; e o
que não dizer do “vou entrar com bola e tudo!”. Claro que existem
faltas grosseiras, pontapés, tapa na cara, mas qual o amor que se
prolonga e não cabe uma rasteira?
O entendimento começa no banheiro, quando todos ficam nus e se
abraçam, regozijando a vitória. Não mergulham juntos na banheira
térmica porque só cabe um. Não é por outro motivo que não permitem a
entrada de mulher no vestiário. Iria estragar tudo.
É por isso que quando o juiz apita o término da partida, começa
outro jogo. Tabelinhas e passes em profundidade rendem frutos com as
bolas que irão meter no saco.
Se tá bom assim, pra que casar? Por que não dispensar a
primeira-dama? Afinal, ela acaba por se constranger ao longo do
casamento, diante de tanto acordo por baixo dos panos para elevação
do padrão de vida. Pode sobrar pra ela, o swing é imoral, ganha-se
na primeira esquina, chafurda-se na seguinte.
No tocante ao prazer, os jogadores confundem o canal dos sexos,
inconscientemente. O choque da mudança de status os confunde, ao
mesmo tempo em que libera geral seus instintos, o poder do dinheiro
permite. A mídia funciona como freio.
“Perdoai, não sabem o que fazem”. São maiores de idade e não se
pode passar a mão em suas cabeças. Não há que ser paternalista, o
público, se calçasse chuteiras, não faria melhor. Com o dinheiro que
ganham, imitem Woody Allen no filme “Trapaceiros” e contratem um
personal cultural e comportamental para enfiar em sua cachola que
são objetos da mídia. Atores do maior espetáculo esportivo da Terra
que vendem jornais e revistas como ninguém, ao virarem manchete.
Os homossexuais insistem na tese de que, por não termos o sexo
perfeitamente definido, todos somos gays no infinito da beleza e da
liberdade. Exageram para aumentar a adesão, ao explorar os
indecisos, os que temem em se defrontar com a hora da verdade. Mas o
meio do futebol, xiita na homofobia, ao se intercruzar com a fama e
badalação, transborda contradições e atos falhos, uma confissão
clara de não mais se manter atado a uma formação conservadora que
não permita se deleitar com as delícias da modernidade e do que o
mundo possui de melhor para oferecer. Seja o que for e de onde vier.
E se Deus quiser, como eles repetem ad nauseam.
Os antigos playboys, que se transformaram em dinossauros, não
seriam páreo para essa moçada. Faltaria-lhes sentido de competição e
malícia para enganar o adversário. Há que ser um verdadeiro campeão,
ou melhor, pentacampeão, para caminhar sempre em direção ao gol, o
verdadeiro alvo, em busca do prazer.