ABISMO DE PASCAL
15 de Março de 2004
Ele não nasceu com o buzanfã para a lua,
não está com essa bola toda e se sua mãe ainda acredita nele, é
lucro. Pois o pascácio exige que ela seja linda, gostosa,
inteligente, bem de vida e resolvida. Linda porque não admite
despertar senão diante da beleza. Gostosa para dar vazão ao que as
mulheres reclamam a respeito de dor, incômodo e desconforto.
Inteligente para acompanhar a sua linha de raciocínio. Bem de vida
para não pretender beliscar fatias de seu padrão de consumo que o
restrinjam. Resolvida para nem em pensamento escorregar em algum
nível de dependência e discutir a relação, almejando redirecioná-la.
Não se considera um egoísta, apenas se preserva, necessitando
de um salvo-conduto para se manter afastado de relações afetivas que
o deteriorem. Costuma, com ar de desdém, qualificar a si mesmo de
exigente. Fazer o quê, se ainda não encontrou a mulher certa para
ele?
Descer ao abismo de Pascal, onde se debaterá
entre problemas que concernem à satisfação de bens e prazeres deste
mundo. Buscando a elucidação do seu enigma de diga-me com quem andas
e eu te direi quem és. Quem sofreu na carne foi o matemático
francês, traumatizado pelo acidente que causava a impressão de se
ver sempre diante de um abismo aberto para tragá-lo. O que o levou a
concentrar suas energias intelectuais nos valores cristãos, baseado
na rejeição dos valores mundanos.
Renunciando a conhecimentos como o grão de areia de Pascal. Se
não fosse aquela areiazinha, que não valia nada em outro lugar, se
introduzindo na uretra de Cromwell, ele teria destruído toda a
cristandade, desaparecido com a monarquia inglesa e sua família se
tornado poderosa como nunca um rei houvera sido.
Se pequenos detalhes podem restabelecer a realeza, por que não
calcular a probabilidade e medir a incerteza para associar um grau
de confiança razoável nos relacionamentos que o aguardam? As
probabilidades fornecem conceitos e métodos para interpretar
previsões baseadas na incerteza, facilitando a tomada de decisões e
desencalhando hesitações. Atormentado pela sua máxima “o coração tem
razões que a própria razão desconhece” e através de análises
combinatórias, Pascal chegou ao seu triângulo. Consistia em
determinar, para qualquer jogo de azar envolvendo muitos parceiros,
o que iria retornar a cada um se a relação fosse interrompida.
Todavia, o abismo de Pascal, o medo do homem ser tragado na
relação e perder sua identidade para a mulher que não pára de se
desenvolver e se agigantar, o remete à angústia de outro triângulo.
O triângulo das Bermudas.
A partir de 1945, misteriosos desaparecimentos de navios e
aviões passaram a ocorrer entre o litoral da Flórida e Bermudas. Com
o avanço da tecnologia, graças à 2ª Guerra Mundial, pensou-se que os
alienígenas se animaram e procuravam fazer contato, sugando-nos
através de naves espaciais. Como preparativo para ingressar numa era
sem precedentes, principiando por romper com as convenções de espaço
e tempo.
O homem começaria por sofrer anomalias magnéticas que
prenunciam o choque térmico que o faria levitar e escapar da coerção
do triângulo amoroso - um polígono maior. Libertar-se do que é
linear, de permanecer na superfície das coisas ou restrito a seu
espaço, de ter como plano de referência o horizonte. O que puder
enxergar. Quando o que ele precisa é sentir. E não consegue.
Parecendo sob ação de anestésico, uma amnésia que apaga,
paulatinamente, as informações que levaram a essa débâcle
irreversível. Que dá vontade de os homens perguntarem o que fizeram
de tão errado, ao perderem sua latitude - sua faculdade de se
autogovernar na liberdade.
Não foi a matemática de Pascal que tirou as chances do homem. O
que o empurrou para o abismo foi sempre pensar em si, voltado para o
seu progresso, projeção e reafirmação. O restante dos vagões a
reboque de seu projeto. Não seria o triângulo que o impediria de dar
o salto mortal no trapézio e alcançar o Céu.