FILÓSOFO DE BOTEQUIM
12 de Abril de 2004
O irmão feio que inveja o irmão caçula, e
bonito. O primogênito tem mais buraco no rosto que a lua, rosna
quando ironizam seu cabelo pixaim, anda vergado com medo de esbarrar
no teto e é magro de ruim. Desdenha do imberbe risonho que, com sua
fachada de baby face, afiança que não é bonito.
Debocha quando diz que é feio, bebe, fica com as mulheres e o
irmão é que leva a fama. Acusa o caçula de abstêmio para preservar a
imagem, esse é o seu marketing. Por ser bebum e dar plantão em
botecos, sua marca está associada a porrista. Quem não é chegado
quer agradar a gregos e troianos, fala, fala e não explica nada,
pois não molha o bico.
Por ser contra a exploração da imagem em busca
de marca para tornar uma celebridade em produto rentável, faz pouco
do irmão, vendido ao sistema, dependente do dindim que pinga no
cofrinho, ao sair só com patricinha. Com um sorriso de orelha a
orelha, de chope na mão e olhar trêfego em uma rosemary qualquer,
discursa como numa democracia de assembléias.
Faz proselitismo, seu nome é trabalho, o dinheiro não esquenta
na carteira, sua vida é pagar cerveja e sentar no bar para bater
papo. A defender a elevação do nível de educação pela importância na
política e no social. Mas abusa do óbvio e dos lugares-comuns. Crê
que a qualquer momento será convocado para um cargo público de
relevo, por sua capacidade de mobilizar a sociedade, junto ao povo
nos botequins e de tanto zanzar por templos da cidadania, ONG’s e
lonas culturais.
Não se toca com seu estado permanente de incoerência em que
desconecta fatos, idéias e ações ao declarar ser adepto da
profissionalização e da tecnologia, apenas porque é médico. De
meia-tigela, ex-fumante em atividade, por não tragar. Contudo, faz
questão de se fazer respeitar e ser levado a sério, ao se inserir na
geração Woodstock e escalar Che Guevara e John Lennon na sua
seleção.
Filosofa, essa coisa de ganhar ou perder é irrelevante. Aliás,
perder é sempre melhor, crescemos à base de traumas. O médico
prescreve que a derrota humaniza, traz uma sensação de ruptura,
reforça os laços afetivos e propicia tomar todas naquela noite.
Caçoa da timidez do irmão, ao se vangloriar que se apaixonou 50
mil vezes e arrumou namorada até na Itália, berço de mulheres
casadoiras que não dão trela para qualquer bicho solto. Adora casar,
deixar o seu gol de placa e descasar, jurando que a atual é única e
definitiva. Se valoriza através de mulheres que dão asa a cobra.
Como dono da verdade, sentencia que o caçula não vive, não se
dá ao direito de altos e baixos, além de tecer considerações sobre
beleza masculina sem receio de ser alinhado aos gays. Sendo ele
feio, como é que vai achar um homem bonito? Se ele vem em primeiro
lugar. Não quer dar mole, entregando carniça a urubus.
Sua noção de espiritualidade equivale a um prédio nas costas,
ao ter se libertado de se sentir acuado sem causa aparente. Era
ateu, despertou para uma realidade sensível e transferiu o peso para
nós ao abrir a boca nos bares e cantar seu repertório de besteiras.
Quem ele pensa que é?