CORNO DE LÉSBICA
17 de Maio de 2004
“A ser corno, de uma lésbica. Prefiro.” Declaração pungente de homens
que já se consideram corneados hoje face à leitura primária da liberdade
sexual, independência e autonomia alcançadas pela mulher. Chapados diante da
acachapante realidade de que não dominam mais a mulher, elas são donas do
seu nariz, o seu faro é que lhes dá o norte, homem nenhum vai segurar seu
leme. Ou se preferirem uma versão light, os homens não possuem mais o
controle total sobre as relações. Como são perseguidos por uma lógica
invertida que vai de um extremo ao outro, de maquiavélicos se tornam
sadomasoquistas: se o controle é débil, zero restou, e corno fiquei.
Ai, que sofrimento dessas crianças manhosas e turronas! Quer
dizer que sendo corno, é melhor ser de uma lésbica; assim resta a
certeza de que a traição não virá de outro homem. O pesadelo, a
reencarnação da posse que não se interrompe. De dono do pedaço, do
feudo, da gleba, dos seus domínios.
Já que com outra mulher não cheira a traição, ao
contrário, dá início à orgia na cabeça e a um fascínio pelo
inusitado, uma conquista que marcará época. Investido de uma
seriedade e clareza de propósitos que julga infinitamente superior
ao grau de comprometimento de que tanto se orgulha a mulher. Na
pretensão de controlar o que rola no sexo, no afeto e na troca. O
dono do escambo, do negócio, do deve-e-haver. Uma contabilidade só,
para registrar as transações que transformarão a inovadora proposta
em um grande empreendimento nunca dantes sonhado.
De se relacionar com uma lésbica mulher. Não uma sapatona, que
tão-somente afronta e agride como o homem, reproduzindo seu espírito
belicoso de tirar satisfação pra quem estiver olhando com más
intenções pro que é seu. Eles odeiam as sapatas porque demarcam
terreno e esclarecem o que está liberado ou não, impedindo invasões
alienígenas. Além de abominarem, no universo feminino, a desfaçatez
com que elas falam mal simplesmente pelo prazer de difamar. A
desconstruir, segundo os lordes em questão, com critério e,
sobretudo, classe.
A ocasião chama o ladrão. O caso é de se relacionar com uma
lésbica de alma femina, doce, adorável, de alto astral, uma
passiva em oposição ao sapatão, mas ativa em induzir o homem a
ambicioná-la e conquistá-la, não sendo permitido a ele qualquer
laivo de posse, e sim de desejo. Uma vontade de querê-la a todo
custo ao preço de uma exclusividade inalcançável.
Portanto, ser corno de lésbica não feriria sua moral por ser um
sonho impossível, inesperado se cair do céu. Mas que arranha,
melhor, chamusca seu lado guerreiro. Posto que peitar o reino
homossexual, mesmo sendo das mulheres, é perigoso. Por tangenciar a
ambigüidade hormonal que rompe com os caracteres rígidos que definem
nossa identidade sexual. É correr risco. De repente, dá azar de,
através da lésbica, queimar etapas e descobrir o xis do infortúnio
pelo qual passa o homem diante dessa amazona que atravessa os
prados, cruza os rios, escala montanhas, arrisca seu próprio couro,
ao enfrentar maternidade, manter a beleza em alta e o equilíbrio
emocional no tom adequado para se apaixonar. E ter de reconhecer que
não tem pra ninguém, xará, não é mole não! Suprimindo do seu
espetáculo a mise-en-scène
de bater no peito e se autovangloriar.
Todos os caminhos levam a Roma. Ou a Meca? Será que não é
Bagdá? Xiita no sexo não combina com prazer. Se o mundo tá fazendo
água em função do aquecimento global, não adianta chorar o leite
derramado. Seria brincar com a verdade. Teimar que nem um burro ao
não arredar o pé dessa posição. De marido incorrigível ou reduzido a
galinha inveterado. A pior ignorância é aquela em que você começa
por ser acomodar, acostuma-se, dela se alimenta e tira lições,
gradua-se, adquire certezas no exercício da estupidez, e... parte
para ensinar o quanto antes.
Se o tempo urge, nós não estamos aqui para desperdiçar nossa
rala existência com outra coisa senão do que entendemos por
felicidade.