DISPENSADO DA
PATERNIDADE
24 de Maio de 2004
Uma boa salada é aquela em que se é
econômico no vinagre e perdulário no azeite, pois o sal é que dá o
gosto. Pede-se cautela na pimenta e impulsividade na mistura.
Receita que o homem não observou na relação com a mulher ao
longo dos séculos. Ao não levar fé na partenogênese, uma forma de
reprodução em que um óvulo gera um novo indivíduo sem fertilização,
particularmente observada em abelhas e formigas. Dogma da ciência
quebrado por cientistas japoneses através de uma fêmea de
camundongo, espécie que compete com o macaco para se testar
semelhanças com o homem. O anúncio do nascimento da primeira cria
que tem duas mães e nenhum pai, ou seja, sem a participação de
qualquer espermatozóide, realimenta o sonho da eliminação dos homens
e de um mundo composto só de mulheres - o planeta estaria a salvo de
talibãs. Com a clonagem, a partenogênese permite a reprodução sem
sexo que rompe as leis da evolução, combinando dois óvulos.
A biologia reprodutora avança sob o pretexto de
identificar defeitos genéticos causadores de esterilidade ou obter
células-tronco para combater o conjunto da obra das doenças
malignas. Negando categoricamente que o objetivo seja usar
tecnologia para gerar bebês, se esforçam para não acusar
insatisfação com a evolução da espécie na esteira do terrorismo.
Ainda que procurem se distanciar de qualquer associação de caráter
nazista, se entregam com destemor às experiências. Para o bem da
ciência. Como autênticos deuses, acima de tudo. Acima da política,
moral, religião, e por cima de todos os mortais. Não se detêm nem
diante de jogar contra o seu patrimônio na viagem psicodélica de
ultrapassar os seus limites para alcançar o Olimpo, correndo o risco
de extinguir a si próprios. Mentes privilegiadas perfeitamente
conscientes dos passos que dão, embora pareçam que se injetam a cada
nova conquista da ciência, tamanho o delírio onírico de reinventar a
humanidade.
O macho reprodutor não é mais obrigatoriamente necessário para
a continuidade da espécie. O risco que o homem corre, se a mulher
prescindir de seu sexo, é que casais de lésbicas possam ter filhas
geneticamente aparentadas de ambas - sem o cromossomo sexual
masculino, é impossível gerar meninos.
O panorama competitivo acirra o mercado de trabalho na disputa
por vagas que se estende à intimidade do lar. Dispensá-lo da
paternidade, um caso a se pensar. Diante de tanto egoísmo e
mal-querer relacionado à independência e realização da mulher que
cheira a inveja. Diante de tanta omissão travestida de se fingir de
morto ou de comedimento na expressão despida de emoção. Ouve-se
apenas um rosnar, quando não priorizado na ordem natural das coisas.
Ao caber à mulher o encargo de portar a camisinha nos primeiros
encontros e desencontros, ele a torna responsável pelo kit-prevenção
quanto à gravidez, Aids, cândida, sapinho e sabe-se lá o que mais
sai do que o homem tanto se orgulha e eventualmente suja na saída.
Que insensibilidade para se locomover e se encontrar na
geografia dos pontos sensíveis, atributos considerados exclusivos da
alma feminina. Mantêm a distância para não se contagiarem.
O receio em assumir novos papéis e desafios afetivos chega a
ser patético. Quando tomam a dianteira de iniciativas arrojadas de
se enraizar no amor, é porque reconhecem que sem ela não somam e
deslizam para o zero.
Focos machistas a serem debelados com aguarrás antes que haja
uma revolução dos óvulos, a exemplo da revolução dos bichos de
Orwell, no esporte mais radical de que se tem notícia. Uma
partenogênese, de verdade!