NÃO QUERO MAIS CASAR
21 de Junho de 2004
Homens que não querem mais se casar, que
se recusam a assumir compromissos, ou a se envolverem de forma a
enterrar seus desejos no primeiro sorriso aberto que cruzar o seu
destino. Se deixar levar por uma onda passageira. Não se conformam
que seus sonhos possam se desmantelar por um inevitável fatalismo
inerente à luxúria das paixões. Não aceitam o descaso com o seu
percurso. Não suportam, em nome da arrogância que bem esconde o
temor diante de imprevistos. Como o de não ser amado, admirado e
considerado. Necessitando fazer uso de truques para retê-la em suas
malhas. Criar histórias para se autoconvencer. Cercar-se de todas as
garantias para se assegurar de que ela não escapará. Para que
esquentar a cabeça se, no final das contas, as mulheres não têm o
menor escrúpulo em atravessar seu samba na maior das evoluções? Ou
interromper o orgasmo onírico no auge de sua exibição?
Melhor se acoitar na doce irresponsabilidade. Cercar-se de
homens em bares e botequins, sem cair na arapuca da homofobia. Para
comentar sobre as distintas senhoras e senhoritas que desfolharam a
margarida e subiram no palco, se colocaram em vitrines e puseram seu
bloco nas ruas. Em bandos. A escolher, ao invés de serem sorteadas.
A intimidar, ao desistirem de passar por boas moças. Eventuais
falhas ou despreparo serão saneados no âmbito de muvucas, à
meia-luz, no som que sufoca palavras nem tão sinceras, e no frigir
de ovos.
Contudo, os homens sempre querem mais. Não se
contentam com pouco. Aqui vieram para conquistar. Nem que tenham que
se livrar de estratégias e doutrinas que os acompanham desde os
primórdios. O tempo urge, embora não reconheçam que se trata de uma
questão de sobrevivência. Basta retocar o seu corriqueiro status.
Alguém tem que ceder. Se é que algum dia eles cederam. Se
invocada a memória, preferiram se omitir. Odeiam dar satisfações.
Explicar o quê, quando se embrenham em outras paragens? O seu teto
baixou depois de experimentarem anos de convivência - que hoje em
dia se transformaram em breves encontros - sob o tacão de mulheres
que os obrigaram a respirar o dia-a-dia sem descanso. Agora querem
se libertar de tarefas, encargos, providências, da escala de
horários, do revezamento de papéis que confundem o seu eu, de
interferir na conduta moral da sociedade conjugal a que pertencem.
Mesmo porque não têm mais ingerência no seu futuro, suprimiram-lhe a
última palavra.
Melhor pedir demissão e atarraxar a máscara do cinismo.
Fingir-se de pai, procurar ter um relacionamento de alto nível com a
ex e manipular as caras novas. Sabendo se desvencilhar das que se
fazem de difícil e oferecem em troca um outro quebra-cabeça para
brincar. E se enredar. Cuidado, o amor pode pôr tudo a perder. Fazer
uso da liberdade é uma arte e requer profissionalismo.
Não se submeter a apelos para um juízo fundado na convivência
estreita, o padrão normal da sociedade, e correr o risco de viver à
margem, uma estranha criatura difícil de ser rotulada. Solitário,
dizem, embora se aperceba em seus olhos o bruxulear do desejo. Pouco
adianta, se levantam suspeitas sobre quem marcha desacompanhado.
Paira uma exigência para que escolha, sem mais delongas, a sua
eleita. A indefinição não cai bem, lançam sobre os seus ombros a
pecha de imaturo, complicado, excêntrico, arredio. Seu destino na
eterna procura intranqüiliza quem o observa, o contágio ameaça.
Ele pode não estar realizado nem feliz, mas de maneira alguma
quer voltar atrás ou reproduzir seu passado, ainda que não se
arrependa. O futuro é o presente perfeito em que constrói no
infinito o mais-que-perfeito do indicativo com particípio no
passado, se é que restou algum gerúndio. Livre do condicional, se
sente como um pássaro, a voar com as asas da liberdade. Que abre as
portas pra todos nós. Cantarola na música a alma feminina. Como
ninguém. Ele na poesia e ela na platéia. Um casamento perfeito.