BELEZA É FUNDAMENTAL
05 de Julho de 2004
As feias que me perdoem, mas beleza é
fundamental. De 1959 para cá, muita água passou debaixo da ponte. Já
dá para contradizer Vinícius de Moraes, sem que se ponha em risco os
poemas que reinventaram o amor e a excelência de sua sumidade. Desde
que o poetinha foi alfinetado por Tom Jobim sobre quantas vezes ele
ainda iria se casar: “quantas forem necessárias".
Hoje, rostinho bonito nenhum sustenta o dia-a-dia de artista,
empresário, político, salvo se predomina uma essência caquética no
fluir da paixão. Há que ter substância, não necessariamente cultura,
para exercer uma personalidade que desfaça a impressão de mulher
indecisa à mercê do primeiro gavião que despontar no céu de
brigadeiro. Há que submeter à prova o arsenal de caras que a mulher
possui e pô-las em risco nas escolhas a que está sujeita - senão
afunda. Sem permitir que o homem se meta a passar a peneira para
separar as pérolas do pensamento dela.
Contudo, a beleza é fundamental para reforçar a
auto-estima de um buraco deixado para trás na memória de suas
antepassadas. A realidade agora é ingressar com o pé direito no
mercado do amor e do trabalho, sob a batuta do carrasco da boa
aparência. Tratar de competir em pé de igualdade para levar a
melhor. Toda concorrência acaba convergindo para um funil, o que
privilegiou a competição entre as mulheres e deixou os homens em
segundo plano, no capítulo a quem a beleza serve. Tão ao pé da letra
que se tornaram escravas da estética, do consumo no vestir e do
poder que a atração confere. Superbonita virou uma ciência, objeto
de graduação em faculdade, embora não caiba ainda doutorar-se em
sedução.
Voltadas para seu umbigo, espelho e pose, tornam-se
insatisfeitas em seu universo egocentrado. Nutrindo um verdadeiro
pavor de alcançar o patamar de antes só do que mal-acompanhada.
Em total, completa e absoluta consonância com o homem quando
sofre uma desilusão amorosa, em outras palavras, quando sacaneado:
só pode ter partido de uma mulher bonita. Todos se espantam se for o
contrário, principiando o escárnio da vítima por sofrer sem motivo
algum. Mas se ele mesmo bate no peito para realçar seu nível de
exigência: “mulher, pra mim, tem que ser bonita!”. Dando margem ao
pouco caso do amigo do peito: “é essa a musa decantada em verso e
prosa? Que falta de autocrítica!".
Foi pensando nisso que Leila Diniz rompeu com a educação do
colégio de freiras e dessacralizou a gravidez como algo sublime para
sexy e digno de ser exibido. Desmistificou o grotesco da barriga e
acabou com o pudor. Suscitando em algumas o orgulho do corpo
perfeito, com nenhum quilo a mais além do feto. Até os seios ficam
apetitosos de tão cheios e pontudos. A ponto de fazer sucesso nas
ruas e inveja nos que não sacaram que maternidade e sensualidade
podiam coexistir. O desejo quebrando mais uma barreira. Um sonoro
“gostosa”, a cantada sobrepujando a santidade da grávida. Um bebê
crescendo dentro de uma outra plenitude maior ainda, pois ser mãe
não é perder a capacidade de atrair.
Bem, quem não tiver outro remédio, socorra-se dos feios, que
bonitos lhe parecerão. Ao menos são bons de cama, assim se
justificam quanto às suas escolhas e descansam nos louros de suas
conquistas. Ora, de tanto contar vantagem, um tantinho aqui e outro
acolá, dia sim e o outro também, água mole em pedra dura vira um
tantão assado, ao descobrir na mulher feia que beleza é fundamental.