MULHERES TURBINADAS
02 de Agosto de 2004
Os homens sempre se incomodaram com o
espírito livre, criativo e dinâmico de certas mulheres, que vivem
intensamente o aqui e agora, sem contas a acertar com o que passou, nem
grandes preocupações com o que virá. Possuem liberdade de sobra para
conquistar seu próprio mundo. São filhas de mães que reclamavam de sua
rebeldia, ao equivalerem ousadia com insensatez, obrigando-as a não pedir
licença para nada. Apenas comunicavam, arrastadas por projetos e desejos
novos.
Eles não conseguem acompanhá-la nem compartilhar os bons
fluidos, rastejam para tentar aprisioná-la ou ditar regras. Como,
por exemplo, propor casamento de imediato ou torpedear o equilíbrio
emocional dela anunciando que um filho seria bem-vindo, quando a
fábrica já tinha fechado. Ou então optam por serem obedientes a
essas mulheres. Passivos. Se põem a seu serviço e aniquilam qualquer
iniciativa pessoal ao desistirem de escolher seu próprio rumo.
Enlouquecem pensando que essa mulher, linda e
selvagem, não pode ser de um homem só. Ela sabe como deixar um homem
fora de si. Com uma vibração que anula sua fleugma. Ardente,
principalmente quando começa a mirá-lo, brincando com um Mentex, de
um lado para outro na boca, a bolar algo que o mantenha pulsando de
excitação. Quem se perder nas suas entranhas não desejará
abandoná-la jamais. Voraz, entorpece e desvirtua. Torturadora de
alma despreparada. Alimenta o possesso que habita todo homem em
querer penetrá-la por todos os poros e possuí-la por inteiro,
inspirando a devassidão. Ao evoluir do frisson para o estado febril
que o consome, treme nas bases e marca passo, fixado na sua
expressão que lateja fantasias de tê-la só para ele. Tornando-a sua
fêmea, à mercê de seu desejo de tirar o fôlego, um vulcão que
necessita de uma gueixa para extingui-lo.
As mulheres turbinadas incendeiam sua imaginação fértil e
sedenta de tour erótico que sempre o descaminha para a zona da
perdição, reflexo de brincadeiras perversas e provocantes que
enriqueceram sua adolescência, em flagrante descompasso com a idade
da inocência.
Mantendo-o atado, como se ela o tivesse manietado por estar
apaixonada e não querer perdê-lo, no ciúme mais doentio de que se
tem notícia. Na verdade, não lhe diz respeito essa fantasia, se ele
prossegue condenado a ser escravo do seu modelo de criação desde a
gênese. Desde a fôrma de Adão, do qual ela foi clonada a partir da
costela e não cometeu o pecado original de repetir-se por repetir,
pautado pelo sexo reprodutor. Apenas servil se manteve à sombra do
homem até que o sol deixasse de nascer quadrado para vislumbrar uma
lua cheia plena de êxitos.
O olhar racional do homem não se apercebeu, fotografou, não
sacou, não previu. Ora, se pintaram as Madonas sem pêlo na
Renascença é porque censuraram muito, cegando a si próprios quando
duvidaram que a liberdade de expressão ganhasse vida própria na
mulher. Uma liberdade que a pusesse em marcha, acelerasse e
turbinasse, com uma ligeireza que só a visão de uma ave de rapina
detectaria.
Por mais que os homens tivessem cruzado o globo terrestre em
busca de novos continentes, miscigenando povos com o propósito de
construir outros horizontes em torno da família, mantiveram-se
atados à tradição de penetrar, invadir e se apossar, erigindo suas
riquezas sobre pilares e assentamentos evocando sempre a exploração.
No nobre objetivo de suar menos para sugar mais, no que a mulher tem
de melhor: a disponibilidade para o amor, no que diz respeito à
magia e encanto diluindo a estreiteza das horas que sublinham
perguntas que não querem calar.
Perderam o bonde da História.