GATO OU GAY?
13 de Setembro de 2004
A lucidez provoca dor, principalmente
quando se propaga sem limites, originada numa consciência que te
açoita sem piedade.
Você pode imaginar quem, nos seus 55 anos, é bem-sucedida e faz
o que quer e quando quer? O homem com que anda a tiracolo é ela quem
escolhe. Invariavelmente um jovem, para acompanhar a juventude de
seu espírito, o vigor de sua locomotiva, a velocidade em acompanhar
os mil papéis que desempenha; o principal, a Catarina da Rússia. O
homem que a escolta e cultiva o físico, sem ser um armário, para ela
admirar e ser admirada ao seu lado - ele é gostoso, mas tá comigo.
Orgulha-se de ser objeto de controvérsia e de
ter o dom de provocar irritações profundas. Como todos têm que
olhá-la de baixo, desperta antipatias. Sente-se livre para
experimentar o que quiser, porque tem vontade, coragem e espírito de
aprendiz. Depois de passar a vida inteira preocupada com o amanhã,
mudou sua disposição para brincar com o destino. Faz reposição
hormonal, aeróbica, musculação, ioga, alimenta-se a cada 3 horas.
Aplica botox, preenche rugas e abusa do mercado de complexos
vitamínicos. Adora alardear que é irresponsável, o segredo de estar
bem. Desde que ela mantenha o avião sob controle.
O cara a reboque pode ir embora quando quiser, pois ela é
sempre maior que ele. Se compara a Chiquinha Gonzaga e torna a
separação algo absolutamente previsível. Chegou num limiar em que
não há surpresas, de um romantismo fora de propósito um mancebo
transformar seu horizonte.
Toda vez que ela o procura para levar um papo sobre suas
perspectivas de vida, ele se mostra atento, com os ouvidos abertos e
sem demonstrar o menor sinal de espanto, mesmo diante de um absurdo,
incompatível com o seu perfil, percurso passado ou futuro a
alcançar. Não é problema dele! Ele não tem nada a ver com isso. As
conseqüências, se houverem, recairão sobre a cabeça privilegiada de
que ela jacta est. Para que meter o bedelho, tirar conclusões
apressadas, trocar idéias de igual para igual, diagnosticar nódulos,
se não sabe se é benigno ou maligno? Pois se ele goza de sua
experiência, seja quando apreende as cabeçadas que ela andou dando
ou quando se transforma em objeto sexual. Por baixo na cama se sente
valorizado, querido, amado e capaz de enlouquecê-la. Seguro de que
esse combustível ela não pode adulterar, embora nutra essa ilusão.
Aliás, cuida, e muito bem, de não fazer qualquer reparo à mulher que
paira no limbo dos cinqüenta, nem cinqüentona, muito menos
sessentona. O protótipo do imaginário da mulher-bomba.
Uma mulher-bomba prenuncia uma nova ordem no porvir. Por
cautela, ele procura estar o mais próximo possível. Para não parecer
suspeito e atrair atentados contra a sua desenvoltura e afirmação
como homem. Que ainda não tem bem definido que tipo de mulher seria
mais adequado para ele. De uma coisa ele está certo, ao não se
lançar de afogadilho sobre a primeira que despertar seu ardor. Nem
sobre a segunda, terceira, e por aí vai. Preferível ficar na sua, a
examinar por onde seu desejo se insinua. Exercitar-se na espera, na
tranqüilidade, deixar que ela o aborde, versado que é na filosofia
taoísta do não-agir. Mesmo que levante suspeitas sobre sua placidez,
quando o ronronar de um gato e o expelir lascívia é o comportamento
de praxe. Procura apenas jamais baixar os olhos, manter altiva a
visão para bem distinguir no fundo da retina de arrivistas a
intenção da pretensão.
Seja à primeira vista ou em último plano, ele não se preocupa
em ser considerado um alvo fácil para ela exercer seu domínio. Dando
margem para o comentário desabonador do homem de que não é homem,
instigando a réplica da mulher de que é inveja, pois ele é um gato.
Ele treplica com oportunista, tirando proveito da pose, envergadura
e tecnologia dessa mulher produzida, enquanto esquenta os motores
para fazer sua opção, sabe lá Deus quando... em ser gay. Um ato de
coragem, que é o que lhe falta. Bunda-mole ou não, ela se sente
atendida, satisfeita com o prazer proporcionado, amor a gente
inventa. Tem razão, há gosto para tudo, ao menos terá histórias para
contar a seus bisnetos. Maldade pura, pois serão lendas. Assim ela
acredita, pois desafiam até o espelho. Uai, na crença de que seu
caminho é limpo, correto e inovador. Ele não, não tem maiores
compromissos com o papel que irá exercer no futuro. Prevê um largo
tempo para saber quem é e o que representa nesse planeta. Dúvidas,
quem não as tem? Se não interferir no desejo... A transição é um
choque. Menos para quem restou feliz. Dividir para reinar nunca
deixou nenhuma mulher feliz. Só se ela não tiver mais reino. É
justamente do que se está falando, da terra de ninguém; quando se
come a torta, o que se busca é o recheio, nada mais frustrante do
que devorar um pastel e nada encontrar. É, a pior realidade é saber
que não existe um passado naquele presente. Ué, ao menos valeu a
experiência. De ter sido enganada? Ela não foi enganada, necessitava
daquilo para viver, como poderia questionar se o produto era falso
ou verdadeiro? Foi verdadeiro enquanto durou. Então, dê-se por
satisfeita, não reclame, porque a maioria não chega a seus pés. De
que adianta coragem, se nada foi como aparentou ser? Agora Inês é
morta. À merda com suas metáforas.