VASECTOMIA
11 de Outubro de 2004
Fora de cogitação o homem levar a sério a
paternidade responsável, livre dos condicionamentos de antepassados
nativos do planeta em que evolui. O sangue greco-romano, muçulmano,
mongol e viking ainda corre nas veias. O processo civilizatório
procurou conter a violência, limitando-a no mais das vezes ao
terreno da criminalidade pura e simplesmente, mas foi incapaz de
alcançar a crueldade psicológica. Dois mil anos apenas nos separam
de Calígula, quando ordenou às esposas dos senadores que se
entregassem à sevícia do povo como tributo da insubordinação do
Senado à tirania do imperador.
De lá para cá, elas estão cobrando essa conta salgada pendurada
no dilaceramento de seu amor-próprio e dignidade de mãe de seus
filhos. Fecharam o caixão desse Neandertal que teima em não
abrir os olhos, que passa por cima como um rolo compressor quando se
trata de pensão alimentícia.
Nas últimas décadas, a vasectomia vem sendo
utilizada como artifício para não engravidar mulheres exploradoras
que aplicam o golpe da barriga. O objetivo é não jogar contra o seu
patrimônio, pouco importa se rico ou remediado, tamanha a pobreza de
espírito. Posto que de saúde ele não se ocupa, senão o preservativo
já teria aposentado a vasectomia. O homem tem um passado que o
condena quanto às doenças venéreas, era um agente eficaz na
transmissão até surgir a Aids. E quantas mais? Sífilis, gonorréia,
cancro, herpes, chato... Ao não tomar as mínimas precauções, dá a
perfeita medida da importância que confere ao sexo e, em última
instância, ao amor. Suja na entrada o que de belo deve resultar na
saída. Sua capacidade de estrago não poupa a mulher. Se fizesse sexo
com ele mesmo, valeria a autopreservação.
O homem ainda teme a vasectomia, apesar de reversível, porque
confunde infertilidade com impotência. Ademais, não gostaria de se
mostrar castrado para a procriação, se de repente aparecesse, à sua
frente, uma princesa encantada. Não gostaria de falhar, muito embora
não queira ter filhos nem sequer casar. Não gostaria de quebrar o
encanto da fantasia que ela alimenta, pois o gozo está na crença
dela em construir uma vida com ele - o faz mais digno. Por outro
lado, não admite reverter uma vasectomia, pois isso implicaria em
firmar o compromisso de constituir família com ela. Na verdade,
pretende deixar ela no ar. Em suspenso.
A vasectomia libera o homem e o potencializa como um deus
sexual. Chegam a armar uma tenda para se sentirem sultões em meio a
um harém e fazer jus às suas mil e uma noites. Nota-se um abuso
crescente do artifício para evitar que a procriação desvirtue o
prazer, atrapalhe a orgia e jogue água no chope. Dando margem a que
zés-ninguém, em busca de reafirmação, se criem, ao se jactarem de
vagabunda nenhuma tirar proveito de suas parcas poupanças. Quando,
na verdade, escondem a vergonha de perpetuar a sua espécie e gerar
descendentes com a sua cara.
O receio do homem se engajar num relacionamento é o de ele se
apequenar, ao perder espaço e escapar de suas mãos o prestígio de se
dar bem sempre, visto crer no mito em que se converteu. Não é só
imaginação. De fato, se transformou num pesadelo no qual tenta
encontrar o seu lugar num mundo que ficou muito grande para o seu
tamanho. Despertando para a pior realidade que o homem tem de
enfrentar: tamanho não é documento.
O pequeno grande homem não consegue se desvencilhar do dilema
entre o tamanho do pênis em repouso e o Homus Erectus,
ignorando que o prazer feminino depende do clima, grau de excitação
e habilidade do parceiro. A insatisfação deriva do desejo de possuir
um pênis maior por comparações com outros avantajados que viraram
lenda na boca de amigos.
Tantos malabarismos o distanciam de sua dimensão espiritual.
Sua consciência se torna estranha a si mesmo, afastando-o de sua
real natureza. A caminho de uma credibilidade amarfanhada diante dos
avanços autofágicos do ser irracional sobre a carcaça do ser
racional, outrora orgulhosamente construído, à custa de muito
arrojo, iniciativa e inteligência. Recomenda-se um recall da
fábrica.