COVARDIA
25 de Outubro de 2004
Eu sou homem, você tá pensando o quê? Ela
tá te dando mole, se você não for, eu vou! Você não está lidando com
qualquer um, eu sou homem! Isso é papo de viado! Homem que é homem
não aceita isso, vê se não vacila. Na hora H, você vai dar pra trás?
Quando eu tinha que brigar para defender a minha honra, ou
melhor, a minha valentia, para mostrar que eu era corajoso, no fundo
eu tinha medo.
Esse medo imbica em mil vetores.
Medo de apanhar, pelo fato de o adversário ser, no olho, mais
forte, ou lutar melhor, ou simplesmente saber lutar - e você não.
Medo de levar um tapa na cara, daqueles de estalar, e todo mundo
ficar olhando, à espera de sua reação. Que não vem. A desmoralização
implica na retaliação para não ficar por baixo.
Onde será que fica a cabeça do pai que esbofeteia os filhos?
Estacionada no ato da fecundação? É claro que o pai tem noção da
humilhação, do quanto marcará a vida do filho, para reprimir o ato
de rebeldia e prepará-lo para ser adulto. Ensinando-o a ser homem,
respeitando o pai, em primeiro lugar, como o verdadeiro líder. Se a
mulher desmente isso hoje na prática não há porque baixar a cabeça,
a luta continua e o importante é não se acovardar. Não deixa que
ninguém ponha o dedo nas suas fuças para dizer o que deve fazer.
Cara que mamãe beijou vagabundo nenhum põe a mão. Mamãe essa em
favor do filho macho, o homem que lhe dará netos.
E se, ao reagir violentamente, você for longe demais? Embora
reconhecendo depois que o adversário merecia. Batendo mais do que
devia para compensar o estrago que ele faria em você se pudesse. Pra
que isso tudo? Tirar-lhe alguns dentes e lanhá-lo sem dó nem
piedade. Essa agressividade toda vai acabar se voltando contra você.
Verá crescer um pavor de que aquela cara quebrada revide,
instalando-se de novo o medo, do qual você não se livra. Um
moto-perpétuo.
E o medo de ter que fugir? Frente a frente com o gorila,
enxergando em seus olhos que irá te dar porrada e arrancar o teu
sangue de covarde. Principalmente se você for tampinha, magricela e
fracote. Te obrigando a enfiar o rabo entre as pernas e sumir pros
quintos dos infernos. Ninguém imagina a fuga como uma saída
estratégica para evitar o pior, é a covardia que fica martelando o
sono.
A covardia é encarada como o medo de perder aquela parada,
sofrer a humilhação da derrota, de esvair pelo bueiro o crédito e a
fama de que goza. Se ainda houver uma reserva de coragem, aí mesmo é
que a covardia se faz presente, estampada no rosto. A decantada
paralisia infantil.
A saída pela tangente é fazer uso de subterfúgios e maneirismos
para poder dizer o que não tem coragem de dizer claramente. Com
cuidado de não ir longe na velhacaria, pois não apraz ao verdadeiro
covarde assumir o papel de vilão. Nem de posar de bom-moço. Haja
hipocrisia para maquiar-se.
A não-reação face a face com a covardia. Se não reagir, o
sujeito não é homem, tem sangue de barata, amarela igual a um pobre
coitado, branco que nem cara-pálida. Perdendo a cor. Sem graça,
adquire um receio de ofender quem quer que seja. De entrar na casa
dos outros sem ser chamado. Hesita. Pára. Dá um passo atrás e
mergulha na covardia. Joga na retranca. A título de se defender do
homem voltado para o seu ego e que ignora que o espírito é o maior
poder, apelando para a força. A exemplo do animal, que, impelido
pelos sentidos, necessita atacar para comer ou se defender.
Lao Tsé observa sobre a não-violência: “Uns devem avançar,
outros devem parar; uns devem clamar, outros devem calar; uns são
fortes em si mesmos, outros devem ser escorados; uns vencem na luta
da vida, outros sucumbem".
Somente um possuidor não-violento possui realmente o possuído.
A violência é o reconhecimento da própria fraqueza, o reconhecimento
de que não conseguiu extrair do outro o consentimento para
possuí-lo. Usa então da força para possuir o pensamento e o
sentimento do outro, intimidando-o.