O FILHINHO DA MAMÃE
16 de Novembro de 2004
Em outros tempos, o filhinho da mamãe se
originava de família aristocrata. Quando não demonstrava um perfil
de playboy, no futuro bon-vivant que simbolizaria o sucesso da
linhagem, é porque não tinha envergadura. Nascera com complexo de
inferioridade num meio onde todos são superiores. Ao merecer
cuidados especiais, correspondia com a erudição enfatizada na sua
formação, revestido de um ar pretensioso próprio de quem converge a
inteligência para artimanhas. O tédio é seu companheiro inseparável,
já que não há nada que se possa fazer para mudar o status a que foi
condenado. Descrê de qualquer iniciativa, poria em risco sua
situação estável, já que seu futuro depende da fortuna da família.
Nos tempos atuais, ele abraça a vida em todas as suas
imperfeições. Se há algo de inevitável nos sofrimentos que a vida
traz consigo, não lhe resta alternativa que não seja utilizar a
memória desse sofrimento como impulso para recomeçar. Não importa se
está fadado a cometer os mesmos erros, o essencial é não mudar
jamais. Caso contrário, deixaria de se enquadrar no modelo de
filhinho da mamãe e não faria jus aos privilégios que não estão à
altura de nenhum príncipe herdeiro. Difícil abrir mão de
privilégios, a corrupção se entranha de tal forma que desfigura o
indivíduo conforme veio ao mundo.
A mãe do filhinho da mamãe geralmente se casa
com um banana, tendo que compartilhar a gerência do problema com sua
sogra, que chegou ao ponto de passar essa banana adiante, mesmo
porque um dia ela vai morrer. A administração conjunta, embora
conflituosa, vira calmaria quando o filho e neto nasce. A
preocupação passa a ser a reprodução do modelo.
O filhinho da mamãe não abre mão do mesmo prato. Feijão com
arroz e bife com batatas fritas, fumegando. Torna-se hóspede de sua
própria casa, tendo tudo a tempo e a hora, para satisfazer o
esquematismo que propaga em sua vida. O filhinho da mamãe até pode
ser pobre, com a mãe tapando buraco para arranjar emprego, conseguir
padrinho ou transformá-lo num estudante profissional. Sem maiores
preocupações com o magistério. Tudo para ele não precisar se mexer.
Pensa no futuro como algo distante. Torce o nariz para qualquer
coisa, a crítica acima de apreciar o belo, orgulha-se de ser chato,
acomodado em apertar daqui e dali para esticar o orçamento.
Um bom disfarce para se fingir de ativo numa sociedade
competitiva é se encaixar no lugar de pseudo-intelectual, forjando
atividades para não transparecer sua inadaptação ao mercado. Se acha
uma inteligência rara, incensado pela mãe, não se fazendo de rogado
em adjetivar a espécie humana com saraivadas de “burro”, “ignorante”
ou “medíocre”. Quase sempre solitário e melancólico, incapaz de se
relacionar com a sociedade e com o mundo ao seu redor, de tendência
depressivas, se autodepreciando apenas para fazer ironia e mostrar
estilo. Encontra uma maneira quase sempre delirante para fugir dessa
realidade opressiva e conquistar a própria liberdade.
Se a História oficial é um embuste que necessita ser
interpretada a partir dos bastidores, não há porque cobrar coerência
a respeito de sua conduta com ares de dono da verdade. Não acredita
em política, mesmo porque só vota em candidatos que jamais são
eleitos. Para se eximir da responsabilidade e, assim, ganhar mais
inimigos para enxovalhar. Adora desconstruir presidentes, já que
todos lhe são intelectualmente inferiores, desde que sua mãe
proclamou no berço “esse menino vai longe".
Ao tomar consciência do mundo falso em que vive, se vê obrigado
a escolher entre continuar sonhando e voltar à vida real. Decisão
que já tomou.