O FARSANTE
28 de Fevereiro de 2005
"Não preciso olhar no espelho, sei que
nasci feio. Não vou me abater. Só tenho que me esmerar para tirar
proveito e reverter o pior no melhor. Deus me fez assim para eu
aprender a explorar os meus rudimentos, transformá-los em qualidades
e usar de minha inteligência para agradá-la, conquistá-la e, a seus
olhos, o feio parecer bonito."
Pois se os apolos não estão nem aí para um arsenal de mulheres
interessantes, loucas para construírem ninhos de amor que fariam
suas mães implorarem para reencarnar, por que não se pôr a serviço
delas, sem jamais fazer sombra, de modo a cair no agrado daquela que
nunca foi santa? Só querem pôr seu bloco na rua, qual é o problema
em tocar o trio elétrico? Se tem filhos, junte aos dela e forme uma
família de responsa. Se você tá com uma mão na frente e outra atrás,
não se preocupe que ela é generosa, o acolherá em sua cama. Que é
que custa segurar o sono e estender a conversa madrugada adentro?
O explorador se aproveita da liberdade que a mulher usufrui e
saca sem cortar seu barato. Sem afrontar suas escolhas; ao
contrário, se oferecendo para dar curso a elas. Não se metendo no
que não é da sua conta, apenas sugerindo quando ela der a deixa.
Sua estratégia é ter uma mulher bonita a seu lado, na certeza
de que atrai outras. Jamais desanima quando ela, enfática, diante da
aproximação rasteira, adianta que não se interessará por ele. Basta
ser paciente e esperar ela cansar de se frustrar com garanhões que
não a enxergam, que aquela areia toda caberá em seu caminhão. Só
escorrega quando no assédio se comporta como um poltrão e confessa
que brinca direitinho com a sua linda, na tentativa de atrair para o
crime procurando aguçar seu apetite no que tem de mais carente e
vazio. Mostrando que possui cacife para supri-la, seja qual for a
fantasia escolhida. Basta ela vacilar.
Como a intelectual casada com um cara que bebe para ficar alto,
de modo a compensar a baixa auto-estima. Sem ela não saberia o que
fazer da vida, necessita de uma mulher forte, de se orgulhar do seu
brilhantismo e desenvoltura em suas incursões políticas e
acadêmicas, se transformar em seu cúmplice, apesar de não freqüentar
seu meio. Separar-se de seu marido jamais, ele faz parte de sua
caminhada até o final. Contudo, ela não esconde seus casos.
Ao se oferecer como voluntário do amor, o farsante não fará
segredo de sua mais nova conquista para alardear seu sucesso e
continuar em campanha, pouco se importando se difama, pois dá de
ombros a relações que julga desajustadas no entender de um
explorador que só se preocupa em tirar vantagem, afinal, é nessa
hora que demonstrará porque nasceu feio. Não se dando conta de que é
uma aberração e de que não nasceu feio, feio se tornou ao se criar
caviloso e crer na obra e graça de Deus reservada a um farsante,
cujo arrojo e iniciativa fariam jus a mulheres desprezadas por
incompetentes e amadores. Em permanente vigília, seu farol vasculha
embarcações que estão por naufragar.
Calado, não se intimida nem com toque de recolher, à espreita
de mulheres em ebulição, à espera de caçadores da arca perdida.
Entra calado e sai morto, estrebuchando no gozo da farsa. Com o
maior cuidado para não deixar furo em casa, mede até onde se exaurir
para não matar a galinha dos ovos de ouro. Se tiver que trocar de
companheira, não dará um salto maior do que as pernas, tem perfeita
noção de suas limitações. Se quiser continuar a ser visto como
politicamente correto, o farsante não pode dar um passo em falso,
sob risco de descobrirem suas artimanhas.