O ESTUPRADOR
14 de Março de 2005
O estupro é um atributo exclusivo do
universo masculino. A mulher não pode violentar um macho, salvo na
guerra do Iraque, quando casamentos são rompidos por e-mail, tendo
em vista a distância deixá-las a perigo, obrigando-as a estuprarem o
compromisso do romance que os soldados carregam para os campos de
batalha.
A cada avanço inexorável da mulher o homem se abate,
significando espaço perdido, declínio no poder de persuasão e
embargo de uma voz que já foi ativa. Afogado no dilema de baixar a
cabeça ou se reciclar. Se atualizar, se reposicionar em sua
identidade, buscar um novo ponto de vista moral, senão cai no vazio,
no desregramento amoral.
Como vivemos à
mercê de maniqueísmos, só lhe vem à cabeça reagir à altura. Trocar
por outra mulher que o compreenda e que não vá fazer uso de seus
problemas íntimos para cuspi-los na sua cara quando menos esperar.
Cometer o crime de passar por cima de seu cadáver e decidir o que é
melhor para a relação. No lar, só um pode mandar, dois não dá certo.
Não tem cabimento guardar mágoas no fundo da gaveta, para
vomitá-las, como se fosse ao acaso, no momento mais crítico. Parece
sessão de descarrego, uma transferência de martírio ao estilo de
toma que o filho é teu.
Um beijo simples e sincero é o que deseja dela, como se ele
fosse seu namorado voltando da guerra. Xô com o não-me-toques, o
pudico, o saber se preservar: “Quero que você me queira”. Quem ama
cuida, não explora.
O inferno está cheio de gente bem intencionada... que
desistiu. Quando puseram a cabeça a prêmio ao se incompatibilizarem
com o sexo feminino e se transformaram em aves de rapina, dispondo
as patas sobre a impotência de presas diante da fera que não se
acanha em pôr as garras em sua vítima e violentá-la. Nostálgicos de
outras encarnações, vestidos na pele de lobo, faziam jus, como
subproduto de conquistas, ao estupro consentido. Uma tradição na
gênese do homem.
O estupro é o pior crime perpetrado contra a mulher. Quando
se percorre o inconsciente coletivo do planeta, ao acaso se
seleciona o Japão, que, ao ocupar a Coréia em 1910, obrigou as
mulheres a satisfazerem as necessidades sexuais de seus soldados.
Uma mulher é estuprada a cada hora na Índia, o que equivale a se
prostituir; nos Estados Unidos, com um quarto da população indiana,
o índice aumenta para dez por hora. No Sri Lanka, se aproveitam até
da tsunami para salvar a vítima da onda e estuprá-la.
O estupro tem um pezinho no fascínio do homem pela profissão
mais antiga do mundo.
O estuprador se comporta como um menino quando encasqueta uma
idéia na cabeça e desvia para a brutalidade, pressão e coação no ser
adulto. Parte da exibição de superioridade e esperteza, para,
através de forças malignas, sobrepujá-la, dobrá-la perante a ereção,
pô-la de quatro a pedir clemência. Transita da insanidade para a
degeneração quando explora a desculpa da mulher é quem provoca, que
pede para ser estuprada ao explorar sua libido de caso pensado.
Irrita-se diante das artimanhas e dos truques exibidos pela
mulher para atrair suas vítimas. Perde o controle sobre si mesmo,
pois não distingue amor de sedução, não valendo a pena amar de
verdade, seria ingênuo. Apegado ao seu caráter monocromático, pensa
que ela está brincando com seus sentimentos, não o levando a sério,
infringindo seu código de honra. Deixando-o com o pé atrás e
paralisado.
Somente a violência para tirá-lo do estado de apatia e livrá-lo
da pecha de covarde. Impondo à mulher, através do sexo, que ela o
ame, na hora que bem lhe aprouver, por vezes com dia e hora marcada
para morrer, sem margem para rejeitá-lo. Para que ele seja
respeitado e reconhecido como o seu dono, o dono da última palavra.
O fato de ela resistir ele corresponde com maus-tratos, pois é com a
submissão que alcança o orgasmo, já que pelas vias naturais não
consegue ser amado, daí ter que tripudiar sobre o objeto do desejo e
exercer seu poder de mais forte.
No íntimo, sabe que ela sente asco de compartilhar o leito com
um anormal, punindo-a com um terreno baldio em local ermo para
inseri-la em seu habitat. Insuficiente para calar a frustração que
perdura como um carma, levando-o a se embrenhar na senda do crime,
em busca da fama de serial killer. A justiça pelas próprias
mãos para sufocar o pesadelo que o angustia.
O estuprador vive a dualidade do médico e o monstro, entre ser
humano ou animal, em assumir a besta dentro de sua alma.
Reafirmar-se na truculência perante a impotência no lirismo. Jamais
admitiria que o gesto de carinho se transformasse numa bofetada. Tal
como os bichos, atacam para se defender, um mecanismo que os
resguarda de desatinos que escondem insolências e os molestam.
Mordem que nem tubarões quem ousar invadir seus domínios e surfar
nas suas ondas do mal.
Se já existe o Museu do Holocausto, por que não um parque
temático com o percurso de estupradores e sua folha de crimes? Qual
a diferença para o nazista? Serviria de alerta como nos falta um bom
pedaço para a porção masculina se adequar à porção feminina.