DOMINADOR OU
DOMINADO?
02 de Maio de 2005
Aproxima-se o dia em que a fé e a razão
não mais digladiarão em torno de uma interpretação literal ou
antropológica da Bíblia. A procura por um estágio mais avançado ou
eficaz processa-se rápida demais, mal conseguimos acompanhar a
evolução de um bebê, a maior aquisição de aprendizagem, qualitativa
e quantitativa, efetuada ao longo de um ano. Sob um fluxo contínuo
de influências que o dominam sem você se aperceber, tentam te pôr em
algum lugar, enfileirá-lo, classificá-lo e, se não tomar cuidado,
até arquivá-lo.
Se a teoria da evolução de Darwin se baseia em mutações
genéticas que favorecem a sobrevivência em determinado ambiente, a
chamada seleção natural explica a adaptação do universo político à
esfera do dominador e dominado que o ancestral comum impôs a
diversas formas de vida com algum grau de parentesco. Inicialmente,
estranhavam quem se aproximasse da tribo ou da caverna, assimilar os
costumes estrangeiros só em nome da união para matar a fome.
Posteriormente, a formação do povo judeu na dissidência do império
egípcio. A utopia de Alexandre, o Grande, soçobrou na babilônia do
império. Atenas ou Esparta. Romanos ou bárbaros. Cristãos ou
muçulmanos. Colonizador ou silvícola. Independência ou morte. Sangue
azul ou plebeu. Escravo ou cidadão. Democrata ou comunista. Primeiro
Mundo ou Terceiro. Até chegar na globalização, pois o planeta ficou
pequeno.
Manda quem
pode, obedece quem tem juízo. Para libertar-se da rotina a que
estamos sujeitos, você acaba por querer dominar. Mesmo porque, para
se livrar de morrer conscientemente tragado pela submissão e
covardia, somente iniciando outra jornada que traga no seu bojo o
caráter da redenção, escapando à sina do homem cordial.
Você é tentado a trocar de posições, de dominado a
dominador. Mas se passar do tom ao reafirmar voz e pensamento, lhe
cortam a cabeça. De qual lado você se encontra e se sente
confortável? Para o príncipe Charles, do alto de sua realeza, seria
o de reencarnar como o absorvente íntimo de seu grande amor. Para
jovens e atletas que se anabolizam, é vencer seu complexo de
inferioridade diante de mulheres que se agigantam, e predisporem seu
corpo a futuros cânceres. Pois o que importa é ser bonita e gostosa,
ter um demônio escondido nas entranhas, uma lâmina no brilho dos
olhos e torná-lo escravo de seu fogo. Pô-lo em conflito entre ficar
louco dentro dela e conhecê-la no dia seguinte quando ela abrir a
boca.
Virou cinzas a idéia de exercer domínio férreo sobre sua
mulher segundo valores do sagrado matrimônio, o que importa é o ser
humano, não o modelo de compromisso afeto a carceragem. Aberta a
porteira, aceita-se a predominância, de início aparentemente
imperceptível, de uma das partes, já que o equilíbrio configura uma
utopia. Vale a personalidade, a clarividência e o carisma. Ele
aceitará calado, não resignado; fingindo assimilar, apavorado com a
ascensão dela que implica em reconhecimento de seu tamanho e
importância; com horror à submissão, ao confundir amor e entrega
incondicional.
Na medida para cortar a libido de personagens como
dominador e dominado que compõem o universo sadomasoquista que
proporciona o campo fértil para a fissura, obsessão e êxtase nas
cenas marcantes de sexo que rascunham os sonhos masturbatórios.
Tendemos à linguagem de dominador e dominado e associamos à
incompatibilidade de gênios quando essa cadeia é quebrada - uma
competição não sanada. Numa versão mais light, os relacionamentos se
auto-ajustam a partir do parceiro com maior ascendência, que dá o
compasso da música que o casal irá dançar e costura o fio condutor
de um final feliz. Embora a alternância de liderança garanta uma
orgia maior, o super-homem de Nietzsche paira sobre nossas cabeças,
papel agora exercido também pela fêmea. Inaugurando a torre de Babel
nas relações.
Somos filhos do mandonismo, porquanto adestrados a respeitar
pais e autoridades, nos tornando órfãos se no ser adulto você não se
afirmar e não dizer a que veio, reproduzindo o modelo no piloto
automático. Por vezes precisando usar de força contra quem ousar
meter o bedelho e mandar no seu destino escolhendo suas companhias.
Imagine, quando caímos de pára-quedas na paixão, quem irá mandar na
sua vontade? Se respira o domínio de uma emoção violenta travestida
de saúde e vigor, e se descontrola. Preocupado em provar o amor
sincero e regenerador. Restando ao dominado usufruir tamanha
adoração e relaxar na passividade que aliena - a que se espreguiça
perante o sol e desperta na lua. Em nome do amor, cabe a
camisa-de-força que o afasta das pessoas comuns. E ai de quem
duvidar. Um martírio para demonstrar um desejo acorrentado pela
atração dominadora de seus olhos. Ou que se apoderou de sua alma de
vontade até então livre. No que correspondeu com uma força
demolidora para conquistar e inseri-la em seus domínios.
Provoca vertigem essa brincadeira de gato e rato. Foi o homem
quem começou, ao arrastar a mulher pelos cabelos à procura de uma
gruta acolhedora. À mercê da garganta profunda.
- Quem predomina na relação, fazendo prevalecer seu ponto
de vista no balanço das horas? A mão que alcança o pote de balas
primeiro é a mão que afaga e decide.