O CÃOZINHO SEM DONO
01 de Agosto de 2005
É mais fácil conhecer o cãozinho sem dono
pelo extenso e eclético currículo amoroso. No entanto, a reputação
de Don Juan o incomoda. Jura de pés juntos gostar de relacionamentos
longos e procurar ser sempre fiel. Discreto, ele jamais abre a boca
para comentar algum romance. Fala somente do que gosta e do que
sabe. É capaz de ficar horas contemplativo tocando uma música no
violão. Quando não escreve poesias e compõe para a namorada.
O atrativo de peso no cãozinho sem dono é o atestado de
qualidade que as relações passadas lhe proporcionam. Mesmo com um
histórico de fazer inchar de orgulho do avô ao padrinho, desperta a
curiosidade nas mulheres que ficam querendo saber o que ele tem de
tão especial. Só pode ser coisa boa, se as suas ex só têm palavras
elogiosas, realçando quão atencioso é com os filhos em comum.
Os cãezinhos
preenchem as fantasias dos tios, que apostam no milagre dos peixes:
quanto mais mulheres caírem na rede, mais acende nas outras uma
chama de curiosidade, atração e desejo. Para desvendar o mistério de
figura tão monossilábica. Nas mãos de São Pedro, o guardião das
chaves do céu.
O cãozinho sem dono é conhecido pelo vulgo de “pica-doce” e
espirra em quem está à sua volta. Ele não mexe uma palha, são elas
que o assediam. Parte de seu sucesso se deve a algo muito mais
prosaico: a inevitável cara de cãozinho sem dono que as mulheres
adoram. Tem gestos tímidos, fala mansa, jeito de quem está sempre
pedindo licença. É aquele tipo que a mulher quer colocar no colo.
O problema que lhe toca é a pecha de sempre aparecer como
coadjuvante de suas beldades. Pode até tocar muito bem os sete
instrumentos, mas é a diva que invariavelmente brilha a seu lado.
Torna-se uma preocupação, pois ele é muito mais do que isso, mas não
consegue provar. Quem cala consente, aumentando o nível da irritação
de sua mãe:
- Eu digo para ele que todo mundo gosta de fofoca. Foi buscar
lã e saiu tosquiado. Não pode reclamar.
Menino indefeso e amável que, com o correr do tempo, ninguém
irá respeitar. Porque não se impõe como macho, ao não se mostrar
independente e fazer valer a sua vontade. Também pudera, mamãe
criou-o passando açúcar de cima a baixo. Acabou perdendo-o para
mulheres esfaimadas que só pensam em jantar para comer a sobremesa e
depois ainda restarem insatisfeitas. Porque ele é um fino que não
satisfaz, salvo pelo conjunto da obra, que não agride e exala uma
leveza que o torna um falso belo.
Sua aparente harmonia de frescor zen não se sustenta, ao
esconder a palidez na difusão de cores que irradia para iludir. Não
faz por mal, sequer por um mecanismo de sobrevivência, apenas
procura disfarçar sua extrema fragilidade.
O cãozinho sem dono não faz apologia de si nem gosta de estar
em evidência, cultiva uma insegurança, um medo de seus projetos não
se realizarem. Atrai mulheres de têmpera forte, que se satisfazem em
tutelá-lo. Ele não abanará o rabinho, mas dormirá o sono dos anjos
ao lado de sua dona.
Emocionalmente, o cãozinho sem dono é complicado, por não
esconder seus conflitos, não ter medo de revelar seu íntimo para, em
troca, receber carinho e proteção. Não receia ser associado a gay,
faz até pouco caso da ignorância do homem sobre a alma feminina.
Como a estética do mundo é gay em virtude da crise porque
passam os heteros, refletida nos desacertos entre homem e mulher, o
cãozinho sem dono conquista espaço gradativamente e se insere nesse
vácuo. Considerado como grande pensador e civilizado, afaga na
conversa com palavras doces e amigas, e propaga a paz que deve
reinar entre os homens de boa vontade. Um homem realmente encantador
e antenado com a nova era.