O MARIDO DA EMPREGADA
15 de Agosto de 2005
O homem que se casa com a sua empregada,
firmando um acordo em que, na alegria e na tristeza, na saúde e na
doença, a amará respeitando-a. Desde que ela prossiga comungando das
prendas do lar e dos assuntos domésticos no entorno de seu provedor.
Encheu o saco de esposa reclamando, de burguesinha cheia de
vontades e de feminista que o questiona. Prostrado por tamanha
acomodação, fechado que nem um caracol e embotado no afeto. Como não
gosta do desconforto da vida de solteiro, precisa de uma mulher para
cuidar dele e da casa - a regra é clara. As solas dos pés aguardam uma
pedra-ume; as costas, a massagem; as unhas, a manicure.
Aquela que era de copa e cozinha vira de cama e
mesa. O que não tem nada demais, porque sem tesão não há solução. E o
mínimo que se exige no nível doméstico é atração. Mesmo que seja só
física, o resto se constrói depois, como se fosse uma casa ainda na
planta. Sintomática sua desilusão com conversa inteligente e filósofos
de botequim, sorte da empregada que terá acesso e exclusividade aos seus
largos conhecimentos que não lhe trouxeram felicidade. À admiração,
obediência, em respeito.
Entende que qualquer relacionamento não pode fugir ao
lugar-comum de marido e mulher. Não adianta reinventar a roda com casas
separadas, cada um na sua. Porque resvala inevitavelmente para uma
relação aberta em que se tenta ficar bem com mais de uma.
Fez uma grande fogueira com o existencialismo que o inspirou na
juventude e que não quer ver estampado no formato do casamento com a sua
empregada. Se aliviou na fonte em que se banhou, jogando na latrina
Sartre e Simone de Beauvoir com seu slogan: “a monogamia ou a
liberdade”. Preferiu seguir o exemplo de Marx que, no seu pragmatismo
comunista, enxergou nas massas a solução para o amor. O fim da burguesia
deve se iniciar no lar para começar um romance com a empregada.
E voltar às origens. Onde a empregada o iniciou na arte do sexo
a assimilar os odores da relação, as variações em torno do mesmo tema e
os beijos que diferem entre si dependendo do alvo. Não se cansava de
procurá-la no quartinho dos fundos como o filho do patrão, para se
reafirmar sexualmente. Seja qual for o cenário, de costas no tanque,
provando o tempero no fogão, com as pernas de fora limpando a janela,
tirando as roupas do varal, distraída. Passando peças íntimas com olhar
pidão, encurralada no banheiro, encostada na cerca com o ventre em
relevo, uma fonte inesgotável de fantasias. Alisando o cabelo, envolta
em toalha branca, através de uma fresta que flagra uma mulher de
verdade. Por inteiro. A sua empregada.
Demorou para descobrir que de quatro no ato não é uma posição
de submissão, mas de entrega, na busca do ponto mais sensível que torna
o considerado cronicamente inviável em um amor possível de ser
realizado.
Agora como marido da empregada, retira-a da senzala para
ascendê-la ao posto de sinhá, na transição do elevador de serviço para o
social, e se livra da culpa, purgando seus pecados dos tempos que fazia
amor como colonizador com as mucamas que já haviam lhe dado de mamar.